Afroturismo e Mulheres Negras

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Foto Worlpackers

“Quando a gente pensa o turismo colocando o negro no centro, nos abrimos para a diversidade” disse a investigadora em Turismo e Relações Raciais, Doutora Natália Araújo no Conversas de Género e Turismo, um programa semanal transmitido nas redes sociais da Global Women in Tourism.

Após o primeiro contacto com a Doutora Natália Araújo, fui ao Google pesquisar sobre o Afroturismo e o motor de busca sugeriu que alterasse para Agroturismo. Acontece porque o mesmo ainda não entende ou reconhece a existência desse termo.

A pergunta que deves ter neste momento é, o que é o Afroturismo?

O Afroturismo ou Turismo Afro-centrado e ainda Turismo Afro-referenciado é visto como um segmento turístico, concebido por negros e que promove o negro através da identidade, da verdade, da autenticidade e da conexão com o passado e o presente. É direcionado para todo o tipo de consumidor, negro e não negro. Tem inclusive conquistado adeptos em diversas partes do mundo, principalmente em países como o Brasil, onde a maior parte da população é negra – 56% no total segundo o Instituto Brasileiro de Gestão e Educação.

Vários afro-descendentes que também se consideram afro-empreendedores têm aparecido no mercado do turismo mundial com produtos que promovem o contacto da população negra com a sua história, com os seus antepassados através de uma imersão intensa na cultura africana. Países como os Estados Unidos da América, Jamaica e alguns países africanos como o Gana, a África do Sul, a Nigéria entre outros, têm apostado na elaboração de rotas turísticas focadas nesse tipo de experiência e intercâmbio cultural. Todo o conceito dessa vivência é totalmente diferente do que as agências têm oferecido e comercializado desde sempre. A título de exemplo, em cidades como São Paulo, Paris e Lisboa, é possível mergulhar numa viagem ao passado e entender através da narrativa contada por guias negros, o que foi a história dos negros nesses locais. É uma viagem completa e cheia de tradições, rica em pormenores, em aromas, sabores e musicalidade.

Esse movimento tem conquistado cada vez mais terreno no Brasil e na Diáspora Negra. Entretanto no Brasil foi criado a Rede AfroTurismo, que pretende unir esforços com outros países para criar e fomentar parcerias, promover destinos e oferecer produtos de cariz cultural com enfoque na cultura negra.

Comparando o movimento de aceitação do cabelo afro-feminino com o turismo, o que presenciamos hoje em dia é a procura de representatividade negra nos diversos players do turismo. “O turismo foi construído através do olhar do europeu. São narrativas que dizem que o negro foi apenas escravo, foi salvo por uma princesa ao invés de dizer que foi brutalmente escravizado. O Afro Turismo diz que os negros e as negras podem contar a sua própria historia. É uma subversão de valores e de possibilidades”, diz Natália Araújo.

Penso nas possibilidades que esse movimento pode trazer para Cabo Verde. Há tanto potencial por explorar, há tanto por oferecer aos nossos irmãos afro-descendentes que procuram traçar e percorrer o caminho que os nossos ancestrais fizeram. De Santo Antão à ilha Brava, há um oceano histórico, tradições orais, património construído que pode ser aproveitado para embarcar na potencialização do destino.

Na abordagem ao tema turismo e relações raciais o cerne da conversa foi direcionado a uma reflexão sobre a mulher negra e o turismo.

Natália destaca o afroturismo como um vetor de inclusão, não só a partir da participação económica, mas também da identificação do viajante negro: “Os negros também querem viajar. O turismo apesar de trabalhar pela inclusão e pela igualdade, ele é racista!”

A mulher negra depara-se com uma série de entraves à realização de viagens internacionais, como é o caso da concessão do visto de turismo. Isso é só a ponta do iceberg das dificuldades. Em diversos destinos turísticos, ela não é vista como uma visitante – porque a cor da pele está associada à mão de obra -, sofre mais assédio do que as mulheres brancas e ainda é muitas vezes vista como um ser exótico – no sentido pejorativo.

Segundo Natália Araújo, no Brasil as mulheres negras não têm o mesmo tratamento caloroso e simpático nas unidades hoteleiras, nos sítios de diversão e animação turística, que as pessoas não negras recebem. A presença de mulheres e homens negros em revistas especializadas de turismo, sejam como consumidores ou empresários da área, é minúscula e por vezes até mesmo inexistente.

Falar do racismo no turismo e a falta de representatividade negra nos diversos setores da atividade turística é essencial para que se possa provocar a mudança que se almeja.

O mundo prepara-se para a retoma do turismo e com isso é necessário ter uma visão do Afroturismo, não só pelo passado, mas tendo em conta as adversidades do presente e projectar um futuro mais justo para as mulheres negras. A oferta de produtos e serviços específicos para esse nicho de mercado – é sim um passo para a igualdade e equidade de género – no entanto, com uma abordagem intersecional de forma a preencher as lacunas nas diversas camadas sociais.

Há quem diga que o Afroturismo pode ser visto como um trabalho social, político, de resistência e sustentável. É a junção de diversos esforços e a sinergia perfeita entre quem trabalha na actividade turística e o visitante. Ele tem a capacidade e o compromisso de de reconectar os negros com a sua cultura e a sua história, de promover o empreendedorismo negro, produzir riqueza e conhecimento. Com a expansão do movimento do Afroturismo é também possível alcançar a igualdade de tratamento e respeito pela diversidade, ou seja, de promover um turismo antirracista!

Provocação para 2021: conhecer melhor a história e a trajectória dos escravos, compreender o passado para trilhar o futuro e viver o presente de forma intensa e, promover a mulher negra nas diversas esferas sociais e económicas.

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