Entrevista Exclusiva com a candidata à Secretária-Geral da OMT

H.E Shaikha Mai bint Mohammed Al-Khalifa, Presidente da Autoridade de Cultura e Antiguidades do Bahrein

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A Organização Mundial do Turismo (OMT) é uma agência especializada das Nações Unidas e a principal organização internacional no campo do turismo.

Como organização internacional líder no campo do turismo, a OMT promove o turismo como um motor de crescimento económico, desenvolvimento inclusivo e sustentabilidade ambiental, assim como oferece liderança e apoio ao setor no avanço do conhecimento e nas políticas de turismo em todo o mundo.

No ano passado, a OMT anunciou apenas dois candidatos para a eleição do novo Secretário-Geral:

Shaikha Mai bint Mohammed Al Khalifa, do Reino do Bahrein

 Zurab Pololikashvili, da Geórgia (Secretário-Geral desde 2018)

Apenas membros do Conselho Executivo da OMT podem votar.

A data da eleição foi alterada de maio para janeiro pela atual liderança da OMT, apesar da situação mundial de insegurança nas viagens.

Em 19 de janeiro, “o Conselho Executivo da OMT expressou o seu apoio contínuo ao Secretário-Geral Zurab Pololikashvili. Reunidos em Madrid, os seus membros o indicaram para continuar a liderar a agência especializada das Nações Unidas por mais quatro anos.

No final da 113ª sessão do Conselho Executivo, realizada como um evento híbrido na capital espanhola, os membros votaram pessoalmente e em segredo na escolha do líder para 2022-2025. O titular Pololikashvili obteve 76% dos votos em um processo em que o Reino do Bahrein também apresentou um candidato para a posição, Shaikha Mai bint Mohammed Al Khalifa. A Sua Excelência parabenizou o Sr. Pololikashvili por sua vitória e o Governo do Bahrein expressou seu apoio à OMT.

Pololikashvili baseou a sua campanha de reeleição nas reformas institucionais e políticas progressivas realizadas durante o seu primeiro mandato e na sua clara liderança no turismo global durante a pandemia da COVID-19. A recomendação do Conselho Executivo será encaminhada para a 24ª Sessão da Assembleia Geral da OMT, a ser realizada em Marrakesh, Marrocos, no final do ano.

Em Madrid, tanto o Presidente do Governo da Espanha, Pedro Sánchez, como a Sua Majestade o Rei Felipe VI expressaram o seu apoio à OMT e sua liderança. O Secretário-Geral também lançou as bases para aproveitar o momento do lançamento de vacinas a fim de garantir uma abordagem harmoniosa para o retorno de viagens internacionais seguras e contínuas.”

Fonte: OMT

Nesta entrevista conversamos com a candidata Shaikha Mai bint Mohammed Al Khalifa, para entender a sua visão e perspetiva em termos de reativar o setor turístico e transformá-lo em um verdadeiro motor de desenvolvimento sustentável.

Esta entrevista foi realizada no início de janeiro, desconsiderando a antecipação eleitoral da OMT informada a posteriori. Nesse sentido, a entrevista que se segue é apresentada na íntegra.

Contextualização:

O presidente do Bahrein nomeou Shaikha Mai para concorrer ao cargo de Secretária-Geral da OMT, pois acredita que ela é a pessoa que pode guiar o turismo para sair da crise global. Se ela for eleita, ela será a primeira mulher a liderar esta agência global filiada à ONU.

Ela é atualmente presidente da Autoridade de Cultura e Antiguidades do Bahrein. Presidente do Conselho de Administração do Centro Regional Árabe para o Património Mundial (ARC-WH), tem trabalhado incansavelmente para desenvolver uma forte infraestrutura cultural de apoio à conservação cultural.

Em 2017, ela foi nomeada pela OMT como Embaixadora Especial do Ano Internacional do Turismo Sustentável para o Desenvolvimento.

Ela é amplamente reconhecida como pioneira no cenário cultural árabe, atuando também como fundadora e presidente do Conselho de Curadores do Centro de Pesquisa e Cultura.

Shaikha Mai é respeitada pela UNESCO como uma pessoa de paixão, integridade e competência. Sob seu olhar vigilante e progressista, ocorreram no Bahrein o registo de três locais nacionais na Lista do Património Mundial da UNESCO: Qal’at al-Bahrain – Antigo porto e capital de Dilmun (2005); Indústria Perlífera, testemunho de uma Economia Insular (2012); e os Montes Dilmun Burial (2019). Ela contribuiu para a fundação do Centro Regional Árabe para o Património Mundial, um Centro de Categoria 2 da UNESCO, e liderou a iniciativa “Revitalização de Muharraq”, uma série de projetos de restauração e reutilização, que recebeu o Prémio de Arquitetura Aga Khan em 2019.

Desde 2008, Shaikha Mai ocupou vários cargos oficiais, incluindo Subsecretária Adjunta de Cultura e Património Nacional, Ministra da Cultura e Ministra da Informação, onde foi a primeira mulher a ocupar o cargo.

Ela lançou uma variedade de iniciativas culturais e turísticas anuais, como a Primavera da Cultura e o Festival de Verão do Bahrain. As suas conquistas no avanço da infraestrutura cultural no Bahrein foram reconhecidas regional e internacionalmente. Em 2010, Shaikha Mai foi a primeira a receber o Prémio Colbert de Criatividade e Herança e foi reconhecida pela Fundação do Pensamento Árabe, onde recebeu o Prémio de Criatividade Social.

Shaikha Mai recebeu muitos prémios distintos, como o Chevalier de la Légion d’Honneur, o Watch Award do World Monuments Fund. Mai Al Khalifa também é reconhecida como uma destacada líder de organizações tanto no setor governamental como não governamental, tendo recebido o prémio “Mulher Árabe Distinta na Área de Liderança Administrativa” do Centro de Estudos sobre a Mulher de Paris, em 2004, e o Prémio de Excelência e Competência Administrativa da Liga Árabe.

Entrevista: 

(i) Como campeã e líder no campo do Turismo Cultural, definiste o avanço da cultura como um componente-chave do desenvolvimento do turismo no Bahrein e no Médio Oriente, por meio do Centro Regional Árabe para o Património Mundial e de muitas outras iniciativas. Qual a sua perspetiva para a retoma do turismo mundial tendo a cultura e o património no centro?

R: O turismo cultural é conhecido por ser mais resiliente que o mercado de lazer e entretenimento; como defensora do setor do turismo, acredito que o cultural pode liderar a recuperação do setor. Acredito que o novo normal para o turismo seria viajar em pequenos grupos, evitar aglomerações e procurar experiências enriquecedoras. No Centro Regional Árabe para o Património Mundial o turismo, o turismo cultural e a experiência dos visitantes é a chave para o nosso trabalho nos Sítios do Património Mundial no Mundo Árabe – mas isso pode ser aplicado em qualquer lugar.

Além disso, a OMT precisa examinar cuidadosamente a relação estrutural com outras entidades internacionais. Muitas sinergias são encontradas entre o mandato da OMT e os de outras agências da ONU, como a UNESCO, para proteger e promover o património cultural. O turismo valoriza economicamente os sítios de património cultural e natural, nacional ou internacional; e isso, por sua vez, cria mais empregos. Abordar o património dessa forma está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

(ii) A indústria turística multi-bilionária está numa confusão e precisa de ser reativada no pós-pandemia. Tendo em conta as suas competências e uma visão assente na sustentabilidade do setor, como pretende direcionar, em termos de políticas e de uma agenda global, a retoma do setor?

R: O impacto da Covid-19 evidenciou claramente a fragilidade do setor do turismo. Embora não seja um órgão de financiamento por direito próprio, a OMT deve procurar garantir que as organizações que controlam os recursos em todo o mundo estejam totalmente cientes das circunstâncias e dificuldades específicas enfrentadas por muitos indivíduos – e aconselhar sobre as estratégias de alívio apropriadas. O alívio deve depender, em primeiro lugar, das organizações que comandam os recursos.

Muitas fórmulas já foram introduzidas pelos governos nacionais para aliviar tensões financeiras imediatas, incluindo subsídios aos empregados; isenções fiscais; empréstimos a juros baixos; estímulos à procura; e bônus a investidores.

Sob a vigência dos atuais acordos, a principal contribuição da OMT neste campo deve ser examinar os horizontes de tais fórmulas, divulgar as melhores práticas e aconselhar quando apropriado. Eu gostaria de ajudar ainda mais nas negociações com as principais instituições financeiras dos setores público e privado.

A OMT deve facilitar a capacidade dos Estados Membros de incorporar o turismo na gestão de crises e nos planos nacionais de mitigação de riscos. É claro, entretanto, que a capacidade da OMT de responder adequadamente à crise é atualmente prejudicada por financiamento independente inadequado.

Também recomendo o desenvolvimento de um Fundo de Assistência da OMT para apoiar os membros plenos e afiliados da OMT para atender a intervenções de emergência, guiadas por outras iniciativas bem-sucedidas dentro do sistema da ONU (por exemplo, o Programa de Assistência Internacional do Património Mundial). Tive em minha função atual um sucesso considerável em garantir empréstimos de longo prazo a juros baixos, assim como doações de bancos e agências de financiamento relacionadas a tais circunstâncias.

Garantir a mobilidade é fundamental para a recuperação do setor; a mobilidade requer protocolos conjuntos entre destinos, mercados geradores e organizações internacionais.

(iii) O turismo para todos, livre de discriminação e assente em princípios de sustentabilidade social, económica e ambiental é um desafio que exige envolvimento de todos os estados membros da OMT e uma concertação mundial. Como mulher e reconhecida internacionalmente pelo seu esforço no desenvolvimento da cultura, do património e do turismo no Médio Oriente, qual a experiência que nos traz e que poderá servir para uma mudança com impacto a nível mundial?

R: Em resposta a esta pergunta, gostaria de destacar o projeto da Rota da Pérola que é um exemplo vivo de sustentabilidade e envolvimento da comunidade. A Rota da Pérola foi listada como Património Mundial em 2012 – consiste em 13 casas ao longo de 3,5 km. O projeto foi parcialmente financiado pelo setor privado e bancos de desenvolvimento. A Autoridade para a Cultura e Antiguidades do Bahrein (BACA, sigla em inglês para Bahrain Authority for Culture and Antiquities) também firmou parceria com proprietários privados. Este projeto mostra um caso de como o turismo pode levar ao desenvolvimento socioeconómico e ao envolvimento da comunidade. A velha cidade de Muharraq voltou à vida com este projeto; criou muitas oportunidades de emprego. Este projeto pode ser um protótipo de projetos semelhantes, que traga cultura e desenvolvimento socioeconómico.

(iv) Cabo Verde, um arquipélago que vive do turismo, tendo como bandeira a sua cultura e história, conta com dois Patrimónios inscritos na lista da UNESCO, o Sítio Histórico da Cidade Velha – Património Cultural e Natural da Humanidade e a Morna – Património Cultural Imaterial da Humanidade e também a cidade da Praia que figura a lista da UNESCO como Cidade Criativa no âmbito da Música. Na sua opinião, como é que a OMT poderá apoiar uma nação turística e cultural como Cabo Verde a tornar-se mais competitiva na cena do turismo mundial?

R: Acredito que cultura e turismo devem andar de mãos dadas; pretendo criar laços mais fortes entre a OMT e a UNESCO; especialmente olhando para o turismo nos sítios Património Mundial. A OMT e a UNESCO podem apoiar com capacitação, abordagens inovadoras de marketing para Cabo Verde. A OMT pode também ligar Cabo Verde a potenciais investidores em todo o mundo. É minha intenção alinhar o plano de ação SIDS (Pequenos Estados insulares em desenvolvimento) da UNESCO com o programa de trabalho da OMT e com os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável).

(v) Qual a mensagem que deixa para os nossos leitores lusófonos, principalmente para os dirigentes Cabo-verdianos?

R: Quero dizer aos dirigentes Cabo-verdianos que vinda de um pequeno estado insular, tal como eles, compreendo os desafios e as oportunidades que isso oferece. É meu objetivo fazer o turismo funcionar para as pessoas e os estados que mais precisam. Ao longo da minha carreira, priorizei a ação em vez da teoria e tenho um historial de realizações, podendo transferir esse conhecimento para Cabo Verde.

(vi) Como é que vê o papel das Mulheres no Desenvolvimento do Turismo Sustentável e Inclusivo no Horizonte 2030?

R: 60% da força de trabalho do turismo são mulheres, no entanto, muito poucas estão em posição de liderança. As mulheres, por meio do seu trabalho nas indústrias artesanais das economias rurais, são capazes de contribuir positivamente para o cumprimento das metas 2030. Acompanho de perto o trabalho da ONG Equidade no Turismo, que se concentra na criação de um turismo justo, sustentável e equitativo por meio da transformação das relações de género em destinos e organizações turísticas. O seu trabalho em alguns países africanos é impressionante. As mulheres estão no centro de qualquer desenvolvimento socioeconómico significativo.

Elizandra Barbosa

Diretora da Turimagazine

CEO of Cabo Verde Global Business

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