“O contributo e o engajamento do sector privado são estratégicos para a Ambição 2030”

Steven Ursino Representante do Escritório Conjunto do PNUD, UNFPA e UNICEF.

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Contextualização:

A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável é uma Agenda Global, adotada em 2015 pelas Nações Unidas, que juntos aos governos, à sociedade civil e ao setor privado construíram um plano de ação centrado nas pessoas, no planeta, na prosperidade, na paz e nas parcerias. Com vista à erradicação da pobreza e ao desenvolvimento económico, social e ambiental à escala global.

Esta agenda assenta em 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas a implementar por todos os países.

De acordo com a ONU Cabo Verde, “a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) oferecem uma oportunidade para Cabo Verde adotar um caminho transformador que leva ao desenvolvimento sustentável. Cabo Verde tem vindo a investir recursos e a fortalecer parcerias para a implementação dos ODS com vista a responder aos desafios a longo prazo e emergentes. “

Os ODS hoje fazem parte do processo de planificação nacional e o Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável (PEDS) elaborado em 2017 pelo Governo de Cabo Verde, descreve o processo de conceção e implementação da estratégia do Governo, para lançar as bases do desenvolvimento sustentável de Cabo Verde.

As Nações Unidas em Cabo Verde defendem ainda que “enquanto Pequeno Estado Insular em Desenvolvimento (SIDS), Cabo Verde e os seus parceiros têm trabalhado e, continuarão na direção de redução das suas vulnerabilidades, construção da sua resiliência às mudanças climáticas, colmatando assim as distâncias geográficas entre as suas ilhas; redução das disparidades regionais, custo de energia, água e transporte; aumento da sua produtividade; investimento no seu capital humano; promoção do uso sustentável e da conservação de seus recursos naturais – recursos terrestres e marinhos; e de impulsionamento da sua integração dinâmica no sistema económico global.”

Neste sentido, as Nações Unidas em Cabo Verde têm trabalhado com os seus parceiros, nacionais e internacionais, de forma conjunta e coordenada, visando identificar respostas às prioridades nacionais dos desafios do desenvolvimento sustentável do país.

Com a crise pandémica que já se prolonga há mais de um ano, para além do foco na resolução das vulnerabilidades do arquipélago, são também necessárias respostas urgentes para a resolução de inúmeros problemas gerados e ou/agravados pela pandemia, particularmente o emprego, o turismo, o gênero e o acesso ao financiamento. Assim, as Nações Unidas em Cabo Verde têm intensificado os seus esforços com vista a ajudar o país a se recuperar desta crise e atingir a sua Ambição 2030.

Vamos nesta entrevista conversar com o chefe do escritório conjunto do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e Fundos das Nações Unidas para a População (FNUAP) em Cabo Verde – Dr. Steven Ursino, para perceber os programas e ações em curso, nomeadamente do PNUD, para colmatar as consequências da pandemia em setores estratégicos de desenvolvimento do país, bem como a sua visão de um Cabo Verde 2030.

O Dr. Steven Ursino tem mais de 40 anos de experiência em Gestão para o Desenvolvimento. Ocupou vários cargos, ao nível sénior, no Sistema das Nações Unidas, tendo trabalhado maioritariamente em países em desenvolvimento ou países subdesenvolvidos do continente africano e desde que se reformou, continuou a desempenhar funções especiais em cargos de chefia para as Nações Unidas em África.

Com base na sua experiência, como analisa o percurso de desenvolvimento de Cabo Verde, desde a sua independência, passando pela sua graduação para um País de Desenvolvimento Médio e o cumprimento dos ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável?

Esta foi uma decisão muito importante. Para além da crise financeira global de 2008-2009 e da Pandemia COVID 2020 e 2021, Cabo Verde tem tido períodos interrompidos de crescimento económico sustentado. O ODS 2030 é uma Agenda Global que foi colocada no contexto do Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável (PEDS), assente nos ODS de Cabo Verde. Este é um passo importante na integração dos 17 ODS no “PEDS” no contexto cabo-verdiano os principais ODS para acelerar o desenvolvimento económico e social a fim de se atingir as metas dos ODS até 2030. Os próximos nove anos serão críticos para o país, mas o Sistema das Nações Unidas fornecerá todo o apoio aos esforços de Cabo Verde para alcançar estes objectivos. Estou confiante na capacidade do governo central, dos governos locais, da Sociedade Civil, do setor privado e das associações comunitárias para trabalharem juntos para o bem-estar das pessoas e da Nação. Todos estes esforços destinam-se aos segmentos mais vulneráveis da população, designadamente, crianças, mulheres, deficientes físicos, jovens e desempregados de forma a “não deixar ninguém para trás”. Cabo Verde é conhecido pelo bom funcionamento do sistema democrático, pela estabilidade política e por ter sistemas avançados de governação política / institucional e económica, que são fundamentos importantes para o crescimento económico sustentado.

E qual a sua visão de um Cabo Verde 2030?

A minha visão é a mesma do país “Ambição 2030”. “Nu sta djuntu”, diria eu aos cabo-verdianos. As Nações Unidas (particularmente, o Escritório Conjunto do PNUD, UNFPA, UNICEF) são dos mais antigos parceiros multilaterais de Cabo Verde, fornecendo, sempre que necessária valiosa assistência técnica e financeira para o desenvolvimento de Cabo Verde.

São vários os programas do PNUD em Cabo Verde, executados e em curso, direcionados à implementação dos ODS, à redução da pobreza e das assimetrias regionais pela via do Emprego, da Empregabilidade e do Empreendedorismo, à aposta na Inovação do setor turístico, ao financiamento da economia, sempre com o enfoque na questão do gênero e da juventude. Quais os programas que aqui se destacam e como analisa os seus impactos?

O nosso Programa atual cobre o período de 2018-2022 está totalmente alinhado com o PEDS para o período 2017-2021. O PNUD, o UNFPA e o UNICEF concentram-se em quatro prioridades: 1. Desenvolvimento sustentável do capital humano. 2. Gestão sustentável dos recursos naturais. 3. Transformação económica e crescimento inclusivo e sustentável; e 4. Governança, políticas públicas, parcerias e justiça. Também, em finais de 2019, as Nações Unidas implementaram, em Cabo Verde, a abordagem de Integração, Aceleração e Apoio às Políticas (MAPS, na sigla inglesa), para traçar o caminho para a realização dos ODS com base em cinco aceleradores dos ODS: economia azul, crescimento verde, digitalização e capital humano, transição para um setor de turismo mais sustentável, diversificado e territorialmente consolidado inserido nas comunidades locais. Isso tem permitido servir como um acelerador chave para o cumprimento da Agenda 2030

Não posso dar todos os detalhes, mas posso dizer que nos anos passados 2018-2020 concedemos mais de 22 milhões de dólares em suporte ao país e, e este ano projetamos (PNUD, UNFPA e UNICEF) pelo menos 12 milhões de dólares, com o apoio dos nossos parceiros, como a União Europeia, Luxemburgo, Índia, USAID, Fundo Global para o Meio Ambiente.

Permita-me destacar algumas projectos/ programas:

O projeto “COVID-19 resposta à crise e recuperação do setor do turismo em Cabo Verde”, executado pelo PNUD em parceria com o Governo e financiado pela União Europeia no montante de  4.930,000 Euros, que visa  salvaguardar o tecido socioeconómico global de Cabo Verde durante e após a crise da COVID-19 e atenuar o impacto socioeconómico da pandemia COVID-19 para os agentes económicos mais vulneráveis (trabalhadores informais e REMPE) e apoiar a recuperação do setor do turismo através do reforço de capacidades dos atores do turismo  e reforço da competitividade das micro, pequenas e médias empresas  através da certificação de qualidade e da integração da cadeia de valores.

E a Juventude tem sido beneficiada com os vossos programas? 

É uma das nossas prioridades, juntamente com as mulheres. Implementamos o Programa Conjunto de Apoio ao Emprego, Empregabilidade e Inserção, denominado Jov@Emprego. Este programa vem sendo implementado desde 2017 pelo PNUD e a OIT, com financiamento do Grão-Ducado do Luxemburgo, no montante de mais de 3 milhões de dólares. Este programa visa contribuir para o reforço do emprego, empregabilidade e inserção profissional dos jovens que procuram criar microempresas ou encontrar emprego remunerado. O projeto tem tido impactos consideráveis nomeadamente: Reforço de capacidades das instituições encarregadas do emprego e da formação profissional; inserção de jovens no mercado do trabalho e à promoção do empreendedorismo; melhoria do acesso ao financiamento para jovens; melhoria do ambiente de negócio para as pequenas e médias empresas. Temos ainda o programa YOUHTCONNEKT CV, inovador, holístico e integrado que aborda todos os aspetos da vida de um jovem, desde a criação de emprego, empreendedorismo, saúde, cidadania numa abordagem abrangente, implementado desde 2018 com apoio técnico e financeiro do PNUD, UNFPA, UNICEF.

Como avalia os impactos?

São assinaláveis. O projeto “COVID-19 resposta à crise e recuperação do sector do turismo em Cabo Verde”, tem uma forte componente de reforço de capacidades dos atores do setor à vários níveis. Graças ao mesmo tem sido possível capacitar os principais players do setor, nomeadamente guias de turismo; agentes das agências de viagens; agentes da Polícia de Fronteira, staff dos aeroportos e guardas municipais; taxistas e condutores de hiace; chefias intermédias de pequenas e médias unidades hoteleiras, visando dotá-los de  ferramentas para se tornarem mais competitivos e em consequência reforçando a diversificação do mercado turístico cabo-verdiano.

Com o programa Jov@Emprego, mais de 1020 jovens foram inseridos no mercado de trabalho através de emprego assalariado, sendo 64% mulheres; no  auto-emprego, a percentagem de trabalhos criados é de 47% em setores importantes da economia cabo-verdiana como a agricultura, pescas, serviços e economia circular; mais de 25 mil jovens (66% mulheres) beneficiaram de atividades de criação de emprego e de formação em várias áreas, desde educação financeira, gestão de pequenas empresas, soft skills, entre outras. No domínio da melhoria do ambiente de negócios reforçamos as capacidades de 25 das micro, pequenas e médias empresas  no domínio das estratégias de sobrevivência face à COVID-19.

Como o PNUD tem apoiado o desenvolvimento local, com vista à implementação dos ODS, à redução da pobreza e das assimetrias regionais?

O Governo de Cabo Verde, com o apoio do Grão-Ducado do Luxemburgo e do PNUD, com o apoio da Associação Nacional dos Municípios e várias associações de base comunitária e ONG, implementa o Programa Plataforma e do Fundo Descentralização, que permitiu integrar os ODS a nível local. Nesse momento, 20 municípios de Cabo Verde têm os seus Planos Estratégicos de Desenvolvimento e 2 municípios estão na fase final de elaboração, todos estritamente alinhados com os ODS e suas metas.  Através do Programa Plataforma, foram criadas 22 plataformas locais que funcionam como mecanismos de articulação de políticas públicas nacionais e locais e mobilização de parcerias. Este programa tem um enfoque particular no reforço da capacidade dos diferentes atores locais, e como resultados, posso destacar as mais de cem sessões de formação realizadas em diferentes municípios, beneficiando aproximadamente cerca de dois mil líderes, técnicos e outros atores locais dos quais 43% foram mulheres, em temas relacionados com Desenvolvimento Local, incluindo planificação e liderança comunitária, localização dos ODS, gestão baseada em resultados, igualdade de género entre outros.

Foram implementados 19 projetos de impacto em 19 municípios, e estão a ser implementados, através do financiamento do Fundo Descentralização, 22 projetos de desenvolvimento local, em todos os municípios, orçados em mais de 3 milhões de dólares. De referir que todos esses fundos postos à disposição dos municípios têm um propósito claro que é a redução da pobreza e assimetrias regionais, através da implementação dos planos estratégicos municipais de Desenvolvimento Sustentável, concebidos pelos próprios munícipes. Fico particularmente muito satisfeito com os resultados no terreno, destinados a melhorar, por exemplo, o bem-estar dos jovens e das mulheres, a estimular micro-empresas de pequena escala, o acesso à água potável aos domicílios, a promover a modernização da agricultura, a empresarialização do setor das pescas e atividades criativas e culturais locais.

E como vê o papel do setor privado na materialização dessa Ambição 2030 de Cabo Verde?

O contributo e o engajamento do setor privado no exercício de planeamento estratégico “Cabo Verde Ambição 2030”, são de extrema importância para a efetivação da Agenda Estratégica de Desenvolvimento Sustentável de Cabo Verde, que compreenderá: (1) o Plano de Promoção da Economia de Cabo Verde Pós-pandemia da COVID-19; (2) a Estratégia de Desenvolvimento do Turismo Sustentável; (3) a Estratégia de Desenvolvimento do Capital Humano; (4) a Estratégia de Resiliência e Ação Climática; (5) Descentralização, Desenvolvimento Regional e Convergência; (6) Financiamento da Economia e, (7) Desenvolvimento do Sector Privado Pós-pandemia.

O desenvolvimento do setor privado pós-pandemia constitui uma das vertentes desta ambição e compete a este setor ser o promotor do seu próprio destino em parceria com o Governo. Para que isto aconteça os atores privados terão de ser os protagonistas principais neste processo e enumerar as suas aspirações e ambições para Cabo Verde no horizonte 2030. A recuperação económica de Cabo Verde deve centrar-se primeiro no setor do Turismo, sendo aqui o setor privado um dos protagonistas principais, devendo o Governo assegurar que o setor privado tenha um ambiente de negócios favorável para estimular o crescimento deste setor. Os atores do setor privado deverão ser ousados e propor reformas estruturais para a melhoria do ambiente de negócios, para o reforço da competitividade da economia, a promoção do próprio setor e a criação de resiliência, para melhoria do acesso ao financiamento, entre outras medidas. Propostas concretas e sustentáveis deverão emanar do setor privado para que o “Cabo Verde Ambição 2030” seja realmente um espelho das aspirações e ambições de todos os cabo-verdianos, e reflita também as aspirações desse setor privado e o comprometimento para com o desenvolvimento do país, sobretudo num contexto de pós-pandemia da Covid-19.

Para finalizar, qual a mensagem que gostaria de direcionar ao nosso setor privado, em relação a retoma económica em Cabo Verde?

A pandemia da Covid-19 desafia todas as sociedades e governos. Ela provocou uma crise global em que as economias das nações grandes e pequenas enfrentam dificuldades crescentes para fazer face aos seus efeitos nefastos na vida das pessoas. Economias frágeis como a de Cabo Verde são as que mais se ressentem com impacto negativo no tecido empresarial. O novo cenário requer novas dinâmicas, regional (África Ocidental), e continental (África) e, sobretudo uma maior exigência do setor privado e por consequência uma melhoria na qualidade dos serviços prestados a todos os níveis. Para o relançamento da economia, os operadores privados terão que adaptar-se a esta nova realidade e, sobretudo preparar-se para responder aos novos desafios, com inovação e criatividade. É preciso diversificar o Turismo, isso porque a pandemia mostrou-nos que o turismo de massa poderá diminuir. É preciso diferenciar o turismo, tendo também em conta a Diáspora, mas outras áreas como o desporto, a natureza e o ambiente. Este setor pode trazer um valor agregado considerável como um ator pró-ativo

na criação de empregos, investindo em setores de crescimento da economia, como agricultura, ecoturismo, transporte, inovação e tecnologia digital, apenas para citar alguns. O setor privado também pode contribuir para a proteção social dos segmentos mais vulneráveis da população, adotando padrões internacionais em termos de responsabilidade social, dedicando uma determinada percentagem dos seus lucros, a projetos socioeconómicos que visam os segmentos mais vulneráveis da população, nomeadamente, mulheres, crianças, jovens, deficientes físicos e desempregados.

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