Comunidade feminina de Cabo Verde transforma resíduos da construção civil em elementos de design

Escrito por Lara Plácido e Inês Alves

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Na Ribeira da Barca, interior de Santiago, Cabo Verde, é testado um projeto que propõe trabalhar com as mulheres que vivem da extração de resíduos inertes da construção. Apesar de se tratar de uma atividade ilegal é nela que assenta grande parte do orçamento familiar local, num país onde uma maioria expressiva das famílias monoparentais se fazem representar por mulheres (cerca de 32%, contra 6,5% representadas por homens, dados do INE 2017). O maior rigor nas práticas de fiscalização e a queda na procura de inertes naturais dos últimos anos, vem colocar em risco iminente um sem número de famílias vulneráveis.

Enquadrado como projeto satélite da Porto Design Biennale 2021, impact tem como objetivo principal trabalhar com as mulheres da apanha da areia na reinvenção de uma atividade alternativa, que lhes procura fornecer uma maior dignidade no acesso ao trabalho e incentivar novas formas de vida.

Inês Alves e Lara Plácido, arquitetas portuguesas da cidade do Porto, e conhecedoras da realidade cabo-verdiana desde 2015 onde trabalham, propõem com este projeto desenvolver um elemento construtivo que é pensado com as mulheres da apanha da areia, desde a concepção à sua prototipagem, numa prática de co-design e co-autoria. Neste sentido, é pensada uma lajeta de pavimento que tem como base reinterpretar a identidade cultural do país, através da reinvenção e sintetização do padrão do panu di téra, um objeto fundamental não só para o passado da ilha – tendo chegado a substituir a moeda num período de ocupação portuguesa – como também para os dias de hoje, sendo ainda largamente utilizado pelas suas mulheres. Ao longo de 3 meses, é desenvolvido em comunidade o projeto para uma lajeta de pavimento que, ao adquirir um valor econômico associado e ao evocar a identidade local, poderá despertar a economia circular e fornecer a essa comunidade de mulheres uma nova alternativa de vida.

A terminologia “impact” é a forma como dizemos impacto em crioulo e, para além disso, remete-nos também para a questão do impacte ambiental. Cabo Verde trata-se de um território insular composto por 10 pequenas ilhas, onde se tem verificado uma forte aposta no turismo de praia e no mercado imobiliário, que corresponde a praticamente 20% do PIB do país. Por outro lado, continua sem estratégia sistematizada para o tratamento dos resíduos sólidos urbanos. Enquanto arquitetas, a abordagem ao projeto passa fundamentalmente por questionar a forma como se tem vindo a construir e o caminho a percorrer se ambicionamos alterar o ciclo de vida dos vidros e plásticos, num país onde cerca de 80% dos produtos de consumo são importados.

Em lugares mais pequenos e isolados, a problemática do lixo torna-se mais evidente, nomeadamente se não existir uma recolha frequente dos resíduos sólidos urbanos e se persistir a tendência para um consumo não consciente. Paralelamente, observam-se praias onde o areal deixou de existir, orlas costeiras ameaçadas pela subida do teor de salinidade do solo e mares onde as dinâmicas das espécies endémicas decaíram. Ribeira da Barca trata- se de um lugar onde essas problemáticas são expressivas: o areal da praia da vila reduziu significativamente a sua extensão e o da praia do Charco deixou de existir; a ribeira, uma extensa fratura na morfologia da vila por onde escorrem as águas pluviais sempre que chove, é onde é descartado todo o tipo de lixos domésticos. impact é realizado na Ribeira da Barca com recurso a plástico triturado de uso doméstico na sua composição propondo, por um lado, reduzir os inertes e, por outro, aplicar matéria prima que de outra forma iria, inevitavelmente, parar no mar.

Impact é formalizado no final do ano 2020 ao ser selecionado como peça de design para a exposição Created in Cabo Verde da Urdi2020 promovido pelo Centro Nacional de Artesanato e Design, onde através da concepção de um elemento construtivo centrado na problemática da autoconstrução predominante na ilha de São Vicente, se sintetizam as questões de base do projeto que hoje continua em andamento. Para a sua execução, foi proposta a utilização de vidro e plástico triturado.

Exploratório com impact: design participativo para o habitat dos 99% trata-se de uma nova ramificação do projeto, onde propomos uma abordagem próxima ao território que, através de um mapeamento etnográfico, se pretende conhecer para melhor se alinhar com aspirações da comunidade local de mulheres.

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