A Cabo Verde Empresas agradece o convite do Presidente da República e felicita o Governo pela recente comunicação nas redes sociais relativa à elaboração de um acordo com as instituições portuguesas, garantindo os direitos dos migrantes com contrato de trabalho.
Garantir a igualdade de condições, incluindo económicas, para os trabalhadores caboverdianos em relação aos trabalhadores portugueses, é essencial para evitar a discriminação económica e social de quem emigra. Será um excelente acordo bilateral que poderá ser replicado com outros países estrangeiros e alinhado às sugestões da Organização Internacional do Trabalho.
No entanto, é difícil identificar parâmetros quantitativos neste tipo de acordo e mais difícil ainda será o controle por parte das autoridades responsáveis para garantir que sejam respeitados, mas aguardamos a divulgação para avaliarmos os detalhes. Confiamos na capacidade dos respetivos Governos de fazer o máximo para que estas garantias não sejam apenas definidas no papel, mas sobretudo implementadas na prática, controladas e eventualmente sancionadas as empresas que as não apliquem.
Uma vez garantidos os direitos dos trabalhadores migrantes, a questão da frente empresarial e social fica obviamente em aberto.
Como vimos nas notícias recentes publicadas nos jornais, há uma necessidade quase “fisiológica” que leva milhares de homens e mulheres cabo-verdianas a querer emigrar, em busca de melhores condições de vida. Acreditamos, portanto, que a prioridade estratégica deve ser a oferta de uma vida melhor em Cabo Verde, capaz de reduzir a atual distância com os países economicamente mais desenvolvidos.
Do ponto de vista social, significa que milhares de crianças ficarão sem pai ou mãe, obrigadas a viver no exterior para garantir melhores condições de vida para si e para aqueles que permanecem na terra natal, com a esperança de poder obter as autorizações necessárias para que, um dia, toda a família possa se reunir, no exterior.
Do ponto de vista da gestão das finanças públicas, significa que os países que acolherão os nossos emigrantes beneficiarão da formação cabo-verdiana, paga através de empréstimos da cooperação internacional. Empréstimos que serão pagos pelas empresas cabo-verdianas e pelos cidadãos residentes.
Do ponto de vista das empresas, significa que milhares de quadros formados e com experiência apurada ao longo dos anos, terão de ser substituídos por outros mais ou menos preparados, mas sem experiência, pondo em risco a manutenção do nível de qualidade e dos índices de produtividade nos diversos setores econômicos. Infelizmente, não há solução imediata para este problema.
Tudo isso para explicar que não podemos simplesmente transferir o problema da emigração para as empresas, afirmando que elas devem criar as condições para que possam reter seus trabalhadores, aliás aumento dos salários.
As empresas também estão sofrendo com a crise climática, a crise da seca, a crise da pandemia, a crise financeira etc. e não podemos pensar em ter de suportar também a crise da mão-de-obra. Neste momento, as crises são muitas e não podemos pedir ao nosso tecido empresarial que apoie, após dois anos de pandemia e dividas ainda para pagar, elevados custos com pessoal, porque mesmo as nossas empresas, como os nossos trabalhadores, não estão num sistema de país capaz de competir globalmente (com referência especial à UE e aos EUA).
Neste sentido, seria interessante que o INE fizesse uma investigação sobre o assunto, de forma a ter dados objetivos sobre a clara vontade de emigrar face à de ficar e sobre as reais causas que levam centenas de pessoas a candidatarem-se a algumas dezenas de vagas.
Provavelmente a causa principal serão os baixos salários (que seriam então comparados como índice de poder de compra), mas em igualdade de salários a oferta representada pelo “sistema-países” Europa ou EUA poderia desempenhar um papel igualmente importante entre as causas que levam à emigração (escolas, saúde, mobilidade, transporte, oportunidades, etc.).
Vivemos num mundo global, onde a concorrência é transversal e já não tem fronteiras. Neste mundo globalizado, as economias mais fortes vencem, militarmente ou financeiramente e a cada solavanco em algum lugar do mundo, muitos países pagam as consequências, porque agora somos todos interdependentes e tecnologicamente conectados.
Aqueles que oferecerem melhores condições de vida levarão os melhores recursos, aqueles de que precisarão e enquanto deles precisarem, aumentando o fosso entre economias fortes e economias fracas, estas últimas serão novamente privadas de recursos. Começou assim oficialmente uma nova crise global, a dos recursos humanos, cujos efeitos já são em parte visíveis, mas cujas consequências serão vistas nos próximos meses.
Existem profissões que exigem carteira profissional, principalmente no setor de turismo, mas não só e não temos capacidade de formar milhares de jovens todos os anos para substituí-los.
Enquanto associação empresarial, Cabo Verde Empresas concorda com a posição do Governo e consideramos de vital importância atuar com urgência na procura de novas estruturas e novos formadores com o objetivo de aumentar de imediato a capacidade de colocação no mercado de novos profissionais e jovens capazes de substituir aqueles que optar por emigrar. Investir na cultura e na formação profissional nunca foi um desperdiço de recursos.
Estamos cientes de que a formação é um processo demorado e custoso e por isso consideramos o assunto como muito urgente, mas temos de trabalhar também numa reforma do salário mínimo, porque se através do seu trabalho, uma pessoa não consegue alcançar recursos financeiros capazes de lhe garantir uma vida digna, então isso significa que algo não está funcionando no sistema.
Os parceiros sociais devem ter como prioridade assegurar maiores e melhores condições de formação e trabalho, capazes de aumentar o nível da nossa produção e qualidade da oferta de serviços, garantindo às empresas um melhor posicionamento no mercado global e consequentemente maiores margens que possam ser partilhadas com os recursos humanos.
Este caminho virtuoso levará à redução da taxa de desemprego, maior inclusão social, redução da criminalidade e, sobretudo, maior consciência social e autoestima.
Continua a ser prioritário o crescimento do país e das suas áreas económicas de forma a garantir melhores condições de vida e atrair mais investimentos privados nacionais e estrangeiros. Todos devem fazer a sua parte de forma coordenada e daí a necessidade de um verdadeiro diálogo público-privado, aberto, honesto e transparente com todas as partes envolvidas e com o povo, o verdadeiro beneficiário da política.
Cabo Verde Empresas solicita para uma intervenção importante na reforma de alguns setores do setor público para que o país possa competir a nível internacional, apesar das dimensões reduzidas e das dificuldades de ser um país arquipelágico. È possível melhorar, é dever de todos nós tentar.
Em primeiro lugar, a questão dos salários. O país também atrai investidores porque os salários são baixos, ou melhor, o custo para as empresas permanece baixo se os salários continuarem baixos. A razão é simples, o custo para as empresas aumenta mais do que proporcionalmente ao aumento do salário líquido recebido pelo trabalhador, então é preferível ter dez trabalhadores com uma remuneração líquida de 20.000$00 do que um a 200.000$00, sendo esta solução economicamente mais viável. Em geral, portanto, as empresas não têm incentivo para aumentar os salários, especialmente para aquelas profissões que não exigem qualificações particulares ou habilidades específicas.
Permanece o facto que aqueles que ganham um salário mais alto pagam mais impostos, este aspeto toca as receitas de cada um de nós enquanto particulares e faz parte de uma política de redistribuição justa e responsável.
Em segundo lugar, é preciso acelerar urgentemente a digitalização da administração pública, através da acessibilidade on-line das empresas a todos os documentos próprios e acessíveis ao público. Não é possível que ainda hoje as empresas tenham de recorrer as Conservatórias para solicitar documentos públicos que possam ser convenientemente obtidos on-line ou que a presença nos Cartórios seja obrigatória para documentos que podem ser autenticados digitalmente. Continuamos a criar custos e ineficiências cuja conta, como sempre, é paga pelos cidadãos e empresas. Os primeiros passos nessa direção foram dados e os primeiros resultados já são visíveis, mas precisamos acelerar urgentemente a digitalização do setor público, porque ainda há muito para fazer!
Em terceiro lugar, a digitalização deve permitir que os cidadãos ou as empresas não tenham de apresentar documentos que já estejam na posse da administração pública. As bases de dados dos vários gabinetes, ministérios e câmaras municipais devem estar todas interligadas, para que os vários funcionários possam, com os devidos cuidados e filtros, aceder automaticamente a todos os dados de que necessitam. Não é aceitável que o usuário tenha de se dirigir à Casa do Cidadão para solicitar cópia da Declaração do NIF para apresentar um pedido ao Ministério das Finanças, que é o Ministério que emite o NIF.
O mecanismo deve ser inverso, ou seja, a empresa e/ou o cidadão fazem uma solicitação qualquer, sabendo que o funcionário responsável poderá aceder automaticamente a toda a documentação necessária para completar o processo com um clique.
Isso implicaria não apenas uma redução de tempo e custos, mas sobretudo mudaria radicalmente o paradigma que rege a relação entre público e privado, entre Estado e cidadãos. Por fim, o sistema seria eficiente e sobretudo eficaz na prestação de um serviço real ao usuário, simplificando sua vida e reduzindo custos para todas as partes envolvidas.
A boa notícia é que as três soluções são possíveis, com tecnologia e know-how disponíveis, aqui em Cabo Verde e com um fator custo/benefício extraordinário, ou seja, custos baixos, benefícios muito elevados (e não apenas económicos!).
As empresas, como os trabalhadores, fazem parte de um país, de um sistema que hoje não consegue oferecer salários mais altos porque não é eficiente para os trabalhadores, mas nem mesmo para as empresas.
A Cabo Verde Empresas desafia o Governo a pôr em prática reformas estruturais que favoreçam o diálogo público-privado (não só ao nível da concertação social), a digitalização da administração pública e a redução drástica da carga fiscal progressiva para favorecer os aumentos salariais (e consequentemente o consumo e as receitas fiscais através do IVA).
Devemos todos trabalhar juntos para criar um círculo virtuoso que permita às empresas (o motor que gera riqueza para todos) aumentar os salários, para que os trabalhadores tenham mais recursos para poderem gastar e consequentemente, através dos consumos, aumentar a receita fiscal (IVA) com a qual o Estado poderá continuar a fazer investimentos para alimentar o círculo virtuoso, reduzir o fosso com os países mais industrializados e aumentar a qualidade de vida dos seus cidadãos (formação, saúde, justiça, transporte, inclusão social, meio-ambiente, infraestruturas).
O Presidente
Andrea Benolli