Cinema como ferramenta de promoção do património africano

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Contextualização:

Conhecer a África pelos africanos poderia ampliar nosso entendimento, revertendo imagens estereotipadas de representação e contribuindo para um imaginário mais amplo sobre o continente. Poderia abrir-nos também para novas experiências e para a troca de vivências que poderiam nos mostrar novos meios de produção e distribuição de cinema que vão para além do modelo hollywoodiano. (Janaina Damasceno).

Os veículos de comunicação representam um papel imprescindível na construção de identidades culturais e na promoção do património de um país. A televisão, o rádio e o cinema, como produtos da indústria cultural, fornecem modelos sociais que permitem a reflexão dos valores e das crenças que constituem uma cultura.

Em relação ao cinema, o seu papel é estratégico na afirmação de identidades culturais e na promoção do património de um povo, isto porque, a produção cinematográfica, independente do seu objetivo de informação ou de entretenimento, é imbuída pelo contexto cultural onde é produzida.

O cinema em África pode ser um grande  agente na construção de uma imagem positiva do continente, onde o seu património cultural, histórico, natural e humano é salvaguardado e disseminado de forma coerente, trazendo um novo paradigma na comunicação do continente, com uma narrativa que valoriza a riqueza patrimonial das nações africanas, quer ao nível humano, material ou imaterial.

A Turimagazine tem em curso a elaboração de um estudo sobre a relação entre o Cinema, o Património e o Turismo.

Neste sentido, visamos num primeiro momento recolher subsídios de personalidades do cinema sobre o papel desta indústria na construção de identidades culturais e na promoção do património africano.

Filmmakers Opinions

Documentário “Tabanka ka ta kaba” na III Amostra Internacional de Obras Audiovisuais sobre Património Cultural Imaterial

Segundo o Instituto do Património Cultural de Cabo Verde (IPC), o documentário realizado pelo antropólogo visual da instituição, Carlos Alberto  Barbosa, foi selecionado para integrar na III Amostra Internacional de Obras Audiovisuais sobre Património Cultural Imaterial entre os dias 25 a 28 de março de 2021 no México.

“Em 2012, Barbosa realizou o seu primeiro documentário “As festividades de São João Baptista – Ilha da Brava”, mas foi com “Tabanka ka ta kaba” (2017), que o mestre em antropologia visual pela Universidade de Barcelona, se inscreveu no festival. O documentário Cabo-verdiano é o primeiro a marcar presença na Amostra Internacional de Obras Audiovisuais sobre Património Cultural Imaterial.

Um evento que surge com o objetivo de criar um espaço internacional onde se exibe uma seleção de obras audiovisuais relacionadas com o Património Cultural Imaterial, tendo como foco:

  • Fortalecer as políticas culturais para promover a criação, produção, distribuição e acesso aos diversos bens e serviços culturais;
  • Divulgar e dar a conhecer ao público obras audiovisuais de todo o mundo que tenham relação com o Património Cultural Imaterial (PCI);
  • Criar pontes e canais para facilitar o acesso equitativo às obras e conteúdos audiovisuais que promovam o equilíbrio entre a oferta e o fluxo de bens e serviços culturais;
  • Incentivar a criatividade e a diversidade das expressões culturais em espaços públicos de exposição, promovendo a divulgação de ideias e formas de ver o mundo.

Podem inscrever no evento cineastas independentes, associações e organizações civis, instituições públicas e privadas de qualquer nacionalidade, com uma ou mais obras cuja realização e tema central tenham sido motivados ou relacionados aos domínios do património cultural imaterial (tradições e expressões orais, as artes e espetáculos; rituais e atos festivos; o universo e as técnicas artesanais tradicionais, etc).

Trata-se de uma oportunidade de internacionalização da tabanca, património cultural imaterial nacional desde agosto de 2019, estando o Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas a trabalhar no processo de candidatura do mesmo a Património Cultural Imaterial da Humanidade, de acordo com o comunicado do IPC. Acrescenta ainda, que o Governo de Cabo Verde tem traçado estratégias que visam a salvaguarda, valorização e promoção do património cultural dentro e fora do país, acreditando ser um dos importantes instrumentos de promoção da paz e sustentabilidade, e ainda um chamariz do turismo.”

Fonte:  Instituto do Património Cultural de Cabo Verde (IPC)

Questão: Como considera que a antropologia visual poderá contribuir para o desenvolvimento do cinema africano com foco no património cultural?

Carlos Barbosa – Eu considero que a antropologia visual pode contribuir bastante para o desenvolvimento do cinema africano, em geral, e do cabo-verdiano, em particular, sobretudo no âmbito do património cultural imaterial.

Cabo Verde é um pequeno país pobre em recursos naturais, mas rico em expressões culturais sobretudo  relacionadas com o património cultural imaterial.

Em cada uma das nove ilhas habitadas,  podemos encontrar particularidades culturais que tornam Cabo Verde num mosaico cultural bastante interessante, que poderá ser amplamente divulgada, interna e externamente, através de obras audiovisuais realizadas no âmbito da antropologia visual. Exemplo disso, é o caso do meu filme etnográfico: “Tabanka ka ta Kaba”, que atualmente encontra-se numa mostra internacional de obras audiovisuais, no México. Este evento irá permitir uma ampla divulgação da tabanca, no mundo.

A tabanca, como se sabe, foi no passado  insistentemente proibida pelas autoridades coloniais, com o intuito de a erradicar, em Cabo Verde. Neste contexto, as autoridades coloniais produziram um discurso detrator, deturpando a verdadeira essência da tabanca, porque esta representava uma organização perigosa que poderia fomentar repentinamente uma rebelião popular contra o opressor.

Este fenómeno poderá explicar, por um lado, a pouca produção científica existente sobre a tabanca e, por outro, o facto de não se ter expandido para as outras ilhas, além de Santiago e Maio. O efeito alienador deste discurso foi de tal modo eficaz que a tabanca ficou ainda hoje pouco conhecida, em Cabo Verde.

Mas felizmente o intento das autoridades coloniais não surtiu o efeito pretendido, uma vez que ainda hoje as tabancas subsistem nas ilhas de Santiago e do Maio.

Por isso, afirmo que a tabanca é uma manifestação cultural de resistência. O próprio título do meu documentário é fruto desta realidade, que, aliás,  não é da minha autoria,  mas trata-se de uma reivindicação dos próprios cativos da tabanca de Achada Grande, que encontrei inscrita com letras enormes numa parede ao lado da casa da tabanca do mesmo grupo, dizendo: “tabanka ka ta kaba” (tabanca não acaba).

A tabanca é hoje reconhecida oficialmente como sendo património cultural imaterial cabo-verdiano, desde 09 de agosto de 2019. Esta data representa um marco histórico que se demarca claramente de todas as decisões legais do passado colonial e que reverte a visão da tabanca, no âmbito do património cultural, em Cabo Verde.

Deste modo, considero ser necessário uma boa divulgação dos trabalhos de investigação, antigos e atuais, relacionados com a tabanca, para que todos os cabo-verdianos, no país e na diáspora, tenham um devido conhecimento do seu verdadeiro património cultural.

A participação deste documentário no evento, em México, poderá contribuir também para incrementar o turismo cultural no nosso país, tendo em conta que a economia de Cabo Verde depende grandemente do setor turístico, como ficou evidente com a atual pandemia, causada pela  COVID-19.

Com os meus trabalhos, pretendo ainda incentivar a introdução da antropologia visual no currículo académico nas universidades nacionais, despertando sobretudo o interesse dos jovens, uma vez que existe ainda muito trabalho a ser realizado nesta área de investigação,  em Cabo Verde.

Para terminar, penso que o desenvolvimento do cinema cabo-verdiano significaria também o desenvolvimento do cinema africano,  uma vez que Cabo Verde faz parte de África.

Carlos Alberto Rodrigues Barbosa,  licenciatura em Antropologia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas / Universidade Nova de Lisboa, Portugal (FCSH / UNL); mestrado em Antropologia Visual pela Faculdade de Geografia e História / Universidade de Barcelona, Espanha (FGH / UB)

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