Conhecer a África pelos africanos poderia ampliar nosso entendimento, revertendo imagens estereotipadas de representação e contribuindo para um imaginário mais amplo sobre o continente. Poderia abrir-nos também para novas experiências e para a troca de vivências que poderiam nos mostrar novos meios de produção e distribuição de cinema que vão para além do modelo hollywoodiano. (Janaina Damasceno)
Os veículos de comunicação representam um papel imprescindível na construção de identidades culturais e na promoção do património de um país. A televisão, o rádio e o cinema, como produtos da indústria cultural, fornecem modelos sociais que permitem a reflexão dos valores e das crenças que constituem uma cultura.
Em relação ao cinema, o seu papel é estratégico na afirmação de identidades culturais e na promoção do património de um povo, isto porque, a produção cinematográfica, independente do seu objetivo de informação ou de entretenimento, é imbuída pelo contexto cultural onde é produzida.
O cinema em África pode ser um grande agente na construção de uma imagem positiva do continente, onde o seu património cultural, histórico, natural e humano é salvaguardado e disseminado de forma coerente, trazendo um novo paradigma na comunicação do continente, com uma narrativa que valoriza a riqueza patrimonial das nações africanas, quer ao nível humano, material ou imaterial.
A Turimagazine tem em curso a elaboração de um estudo sobre a relação entre o Cinema, o Património e o Turismo.
Neste sentido, visamos num primeiro momento recolher subsídios de personalidades do cinema sobre o papel desta indústria na construção de identidades culturais e na promoção do património africano.
Filmmakers Opinions
Pedro Soulé é um produtor de cinema cabo-verdiano, baseado na cidade do Mindelo.
Licenciado em gestão de empresas, Soulé trabalhou em diferentes áreas de negócio e fundou a produtora Kriolscope juntamente com o realizador Nuno Miranda tendo se focado na produção audiovisual.
Soulé produziu KMÊDEUS de Nuno Miranda, financiado e estreado no Festival Internacional de Cinema de Rotterdam e selecionado para o We are one Festival da Tribeca, foi o produtor local do galardoado filme VITALINA VARELA de Pedro Costa e do programa CLUB ATLAS feat DJ Branko e Dino D´Santiago da RTP1.
Em 2020, cofundou o Baobab Film Collective para produzir conteúdos afro centristas para a Televisão. Está selecionado para a EAVE 2021 producer´s workshop com o projecto da Baobab SOLOMON & THE MACHINE (8 eps), é o produtor para a África e região do Atlântico do projecto documentário THE WHALERS, selecionado para o festival de Cannes de 2021, e é o produtor principal de outros projectos cinematográficos cabo-verdiano em desenvolvimento.
Breve contextualização sobre o papel que a Kriolscope tem desempenhado em Cabo Verde no setor cinematográfico e as produções de maior destaque.
A Kriolscope é uma produtora audiovisual cabo-verdiana, fundada em 2015 para trabalhar nas áreas de Publicidade e Cinema. A primeira produção cinematográfica surgiu durante o ano de 2019, com o filme documentário “Kmêdeus” financiado pelo Festival Internacional de Cinema de Rotterdam e com estreia em Janeiro de 2020, no mesmo festival. O filme percorreu vários países entre os quais, Portugal, Espanha, Itália, Escócia, Inglaterra, Brasil, Angola, Moçambique e os Estados Unidos da América, tendo como maior destaque a seleção para o WE ARE ONE online festival (http://www.weareoneglobalfestival.com/) organizado pelo Tribeca Enterprises e que teve a curadoria de festivais como os de Sundance, Cannes, IFFR, Berlinale, entre outros.
Durante o ano de 2020, a Kriolscope fundou, juntamente com outras produtoras africanas com sede no Gana e no Canadá, o Baobab Film Collective, que tem como objetivo executar projectos cinematográficos em conjunto, explorando as potencialidades de cada produtora e país de forma integrada(https://inforpress.cv/tag/baobab-film-collective/).
Ainda em 2020, um dos projectos do colectivo Baobab, de nome “Solomon and the machine”( https://www.imdb.com/title/tt13222432/) uma série de TV limitada escrita por Nuno Miranda, foi seleccionado, juntamente com o produtor Pedro Soulé, para o EAVE 2021 producers workshop, e encontra-se em fase de desenvolvimento.
Já no atual ano de 2021, a Kriolscope teve um dos seus projectos selecionado para o Festival de Cannes – spotlighted docs projects- “The Whalers” (https://www.marchedufilm.com/projects/the-whalers/) , um documentário co-realizado por Pedro José-Marcellino e Jerri Thrasher e que será uma co-produção entre o Canadá, Cabo Verde e a França.
A Kriolscope tem outros projectos em carteira a serem desenvolvidos e que a seu devido tempo serão do conhecimento público.
Como é que Cabo Verde pode usufruir das suas riquezas histórica, cultural e patrimonial, como também da sua diversidade natural e paisagística, para o desenvolvimento de um setor cinematográfico mais pujante e atrativo?
Cabo Verde tem na sua diversidade cultural, paisagística e histórica uma das suas vantagens competitivas, uma outra vantagem é o quão pouco explorado o país é, cinematograficamente e visualmente falando.
Diria que temos o quadro ideal, no tempo e espaço em que a indústria cinematográfica mundial se encontra, para que Cabo Verde se desenvolva para se tornar um alvo apetecível para grandes produções de cinema. Obviamente que aliado a isso teremos que criar o devido enquadramento legal, como foi o primeiro passo dado com a criação da Lei do Cinema que deverá ser regulamentada, pelas instituições e atores do cinema em Cabo Verde, e cimentada com projectos específicos que trarão desafios e abrirão precedentes, como a criação de tratados ou minitratados para a co-produção entre Cabo Verde e outros países, para que se crie credibilidade e confiança para a atração dos grandes projectos de cinema.
Todo esse percurso, a meu ver, deverá ser feito fazendo um pouco de benchmarking em países que têm similaridades com Cabo Verde e também procurando fazer parcerias com outros países da nossa região africana, pois o que se aplica a Cabo Verde em relação às suas potencialidades para a indústria do cinema, aplica-se também para vários outros países do nosso continente. Tendo em conta que as potencialidades variam entre os países africanos, seria importante e estratégico, estabelecermos planos estratégicos onde se explore e se integre as distintas potencialidades e vantagens para que o setor se desenvolva em conjunto.