A Morna foi classificada como Património Cultural Imaterial da Humanidade em dezembro de 2019. O primeiro género musical Cabo-verdiano a figurar esta nobre lista da UNESCO.
Este reconhecimento deve-se à singularidade que a Morna apresenta, como um género musical emblemático e que traz a essência do povo Cabo-verdiano.
Cesária Évora, Bana, Ildo Lobo, Tito Paris e outros artistas renomados levaram a Morna para os quatro cantos do mundo, mundializaram a “Sodade” e os sentimentos mais profundos que o povo Crioulo traz consigo nas suas vivências e trajectórias.
Neste seguimento surgem novos artistas nas ilhas e na Diáspora que continuam a revelar a alma do Crioulo através da Morna.
Vamos nesta entrevista, conversar com uma nova artista revelação que vem marcar a nova geração de promoção e difusão da Morna, hoje Património da Humanidade.
Cremilda Medina, intérprete de Morna, lança-se na cena musical nacional e internacional com o lançamento de seu primeiro álbum Folclore em 2017.
Mas há 20 anos que interpreta a Morna. Um percurso que considera ter sido difícil pela não valorização da Morna, que hoje está sendo ultrapassada e a classificação deste género musical a Património da Humanidade poderá vir a mudar completamente este cenário.
Cremilda Medina é detentora de dois troféus “Best World Music” da International Portuguese Music Awards (IPMA) nos EUA, um com o tema “Nôs Morna” e um outro com o tema “Divôrce um’ ca ta Sená” do compositor Manuel d’Novas, do troféu “Melhor Morna” nos Cabo Verde Music Awards (CVMA), com o tema “Sonho dum Crioula” do compositor Morgadinho e de dois prémios da Sapo Award nos CVMA em 2017 e 2018.
Questões:
- Como intérprete e promotora de Morna, como analisa o impacto que este género musical hoje tem para Cabo Verde, após a sua classificação como Património Cultural Imaterial da Humanidade?
R: Até ao momento não consigo fazer uma análise acerca do impacto, também porque se abateu a pandemia do Covid-19 no mundo e com isso fez retrair quase por completo a cultura mundial.
Desde que a Morna foi proclamada Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO no dia 11 de Dezembro de 2019 que se vinha a promover mais a Morna, mas com a pandemia tudo teve que parar.
Espero que com a retoma gradual da abertura da cultura a Morna possa realmente vir a ter o seu espaço e o seu verdadeiro reconhecimento nacional e mundial. Não basta a Morna ter sido reconhecida como Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO se depois tudo não passa do papel, a Morna é do povo Cabo Verdiano, para mim é o género musical que desde sempre melhor descreveu e descreve a verdadeira essência do Cabo Verdiano, por tudo aquilo que tem passado ao longo de décadas, dai achar que deva ter uma atenção especial por parte de todos. Não é por eu ser uma intérprete de Morna, mas sim porque é aquilo que eu verdadeiramente sinto, que a Morna está no sangue de cada um de nós Cabo Verdianos.
A Morna é de todos os Cabo Verdianos e todos devemos fazer com que ela seja preservada e acarinhada por tudo aquilo que ela nos tem dado.
Muitas pessoas pelo mundo não sabem onde Cabo Verde fica localizado geograficamente, mas se falarmos em Cesária Évora e na Morna as pessoas reconhecem e sabem do que se trata, a Morna é um grande cartão-de-visita para todo o mundo e isso deve ser encarado com muita atenção e respeito.
- Quais são as oportunidades e os desafios aos novos criadores, compositores e intérpretes?
R: Quando se trabalha de forma profissional, as oportunidades mais tarde ou mais cedo acabam por surgir. Não basta ter uma linda voz ou ter uma cara bonita, é necessário ser profissional no que se faz e isso cada vez mais faz a diferença entre muitos dos novos criadores, compositores e intérpretes.
O ser profissional não é dizeres que és profissional, mas sim agires e tomares atitudes como tal e esse deve ser o caminho e o desafio a seguir pelos novos agentes musicais em Cabo Verde, serem profissionais e responsáveis.
Com isso acredito que as oportunidades certamente serão mais e o mercado pode ter outros horizontes e outras perspetivas para a carreira de cada um.
Deve-se programar muito bem uma carreira e não fazer isto ou aquilo só porque fica bem fazer e dizer que se fez.
- Como avalia a internacionalização da Morna com o carimbo da UNESCO e com o intenso percurso marcado pela diva dos pés descalço, Cesária Évora?
R: O carimbo da UNESCO da Morna como Património Imaterial da Humanidade é o seguimento do caminho que Cesária Évora e outros nomes da cultura fizeram e continuam a fazer por Cabo Verde.
Independentemente do que se possa dizer, Cesária Évora e o seu produtor Djô da Silva colocaram Cabo Verde no mapa mundial, não só em termos de cultura, mas a nível geral. Cesária percorreu vários palcos do mundo levando o nome da Morna e o nome de Cabo Verde com ela, a sítios onde acredito que muita gente nem sabia da existência de um pais chamada Cabo Verde e com isso Cabo Verde ganhou outra dimensão.
O mundo começou a interessar-se por Cabo Verde e a sua cultura, acredito que ainda hoje muitos turistas procuram Cabo Verde porque em algum momento ou em algum lugar já ouviram falar de Morna que automaticamente está ligado ao nome de Cesária Évora.
Dai eu achar que a internacionalização da Morna com o carimbo da UNESCO faz parte de um caminho natural que tem vindo a ser feito e que ainda tem muito para fazer.
- Quais as suas perspetivas futuras como artista, tendo em conta a crise provocada pela pandemia do Covid-19?
R:No ano passado estava a trabalhar no novo álbum, que está quase pronto e acabei por lançar só um single “Amá Sem Mêde” no final do ano.
O álbum era para ter sido editado o ano passado, mas a pandemia do Covid-19 fez-nos repensar novamente nas datas. Esperamos que a sua edição possa ser possível ainda este ano, tudo dependerá da evolução da pandemia.
As minhas perspectivas são que gradualmente a cultura volte a fazer parte do dia-a-dia das pessoas em todo o mundo e com isso possamos levar o nosso trabalho a vários palcos em Cabo Verde e no mundo.
Espero que este ano realmente possa ser possível a edição do álbum assim como a sua promoção e divulgação pelo mundo e que com isso possa pisar vários palcos levando sempre comigo a nossa cultura, a nossa morna e o nome de Cabo Verde.