Entrevista exclusiva com Janira Hopffer Almada

Rubrica – Turismo & Diplomacia - Por Elizandra Barbosa

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Contextualização:

Em setembro de 2019, o PAICV (Partido Africano para a Independência de Cabo Verde) através de sua líder Janira Hopffer Almada, alertou que é preciso trabalhar para transformar Cabo Verde num destino de referência, sugerindo que para se chegar a esse desafio é preciso enfrentar os desafios da competitividade, sustentabilidade, concentração e maximização do impacto sobre a riqueza e bem-estar dos Cabo-verdianos.

Na altura, Cabo Verde tinha perdido 5 posições no ranking de competitividade no turismo.

A presidente do PAICV defendeu que a queda de Cabo Verde neste ranking mostra que o país está a perder competitividade em relação aos seus concorrentes, reforçando que isto significa uma retração para os que queiram visitar e investir em Cabo Verde e tem “efeitos negativos” no crescimento económico do país.

Em agosto de 2019, numa visita à ilha do Sal, mostrou que é preciso que o turismo tenha impacto na vida das pessoas e que contribua para o desenvolvimento de outros setores de atividade económica, considerando um conjunto de oportunidades, entre elas o fornecimento de produtos de pesca e agrícolas para os hotéis.

Já nesta altura, alertava para a importância e urgência de se adequar e melhorar as condições de saúde e saneamento e as condições a nível de segurança.

Meses depois, começou a pandemia do novo coronavírus e a situação económica do país viu-se agravada pela queda abrupta do turismo.

Os Cabo-verdianos, nas ilhas e na Diáspora, sentiram a importância do turismo no desenvolvimento socioeconómico do país.

É neste enquadramento, que conversamos com a candidata a Primeira-ministra de Cabo Verde, Janira Hopffer Almada, com o objetivo de perceber a sua visão estratégica e os planos em mente para a retoma do setor turístico, tendo em conta os factores competitividade, sustentabilidade, concentração e maximização do impacto sobre a riqueza e bem-estar dos Cabo-verdianos, conforme defende.

Entrevista: 

Cabo Verde já é considerado como um dos países africanos mais afetados pela pandemia do novo coronavírus, considerando a sua forte dependência dos setores de viagens e turismo. Os desafios para a retoma económica e turística são imensos e exigem concertação política, social e empresarial.

Neste sentido, quais são as prioridades a serem assumidas pelo Governo de Cabo Verde para que o processo de retoma seja equilibrado e proporcione uma reestruturação no setor do turismo, com foco em gerar um maior impacto na vida dos Cabo-verdianos?

Antes de mais, gostaria de agradecer a oportunidade e não poderia deixar também de lhe agradecer, pois dá-me uma grande satisfação sempre que vejo uma jovem mulher Cabo-verdiana a tentar dar o seu contributo, isso encoraja-me, dá-me forças e faz reforçar a minha crença para o presente e o futuro.

Gostei muito do documento de base da entrevista, vi consistência, conhecimento e sobretudo vontade e empenho com Cabo Verde, por Cabo Verde, com foco essencialmente no setor do turismo, o principal motor da economia Cabo-verdiana. Portanto, é com muita satisfação que participo desta entrevista, que representa para mim uma grande oportunidade de poder partilhar um pouco daquilo que nós pensamos sobre o país, a nossa visão para com o desenvolvimento, das nossas propostas, dos nossos projetos, porque penso que política é uma missão de prestar serviço público ao país. Eu encaro a política sobretudo como um debate de ideias e propostas. Tenho frisado muito a diferença entre a nossa visão e a visão de outros partidos, nomeadamente o nosso principal adversário o MPD. Visões muito diferentes, em muitas áreas, não quer dizer que uma esteja melhor que a outra mas são diferentes e para mim é importante que os Cabo-verdianos entendam a diferença de visão e escolham  pensando na qual mais se revejam. Eu digo sempre que escolhi o lado bom da política, o lado do debate das ideias e das propostas, o lado que não opta por ataques pessoais, o lado que luta de forma digna como também por causas justas.

Primeiramente gostaria de dizer que tivemos uma governança durante quatro anos, antes da pandemia, que tinha todo um contexto propício para implementar a visão que propôs aos Cabo-verdianos, cumprir e executar o programa de governo na íntegra. Tinha um extraordinário cenário internacional, não ocorreu nenhuma crise até março de 2020, tinha uma maioria confortável no parlamento e tinha estabilidade política no país para executar aquilo que tinha prometido aos Cabo-verdianos. Ademais, a atual governação nos quatro primeiros anos do mandato até março de 2020, propalou que o país estava a crescer a 5% ao ano, portanto para além do contexto Internacional, para além do ambiente interno propício, tinha também recursos para implementar o programa do governo. Eu não posso nunca começar uma análise sobre a situação do país sem pensar no país até a pandemia e a partir da pandemia. É preciso dizer que o governo atual assumiu o mandato a 22 de abril de 2016 e governou neste ambiente que eu descrevi, até 20 de março de 2020, quando a pandemia chegou a Cabo Verde, portanto teve 4 anos em 5 anos de mandato para cumprir o seu programa. É evidente que a pandemia teve grandes impactos no mundo e também em Cabo Verde e o PAICV esteve e está consciente destes impactos, assim como todos os Cabo-verdianos. E assumindo a sua responsabilidade para com Cabo Verde, o PAICV esteve presente desde a primeira hora, manifestando a sua disponibilidade para colaborar e fê-lo de forma concreta e inequívoca. Apresentamos propostas seja ao governo central seja aos governos locais. Exercemos a fiscalização numa perspetiva construtiva e viabilizamos todas as medidas levadas pela atual maioria ao parlamento durante o estado de emergência, como exemplos o lay-off, ou as medidas de natureza legal e de administração da justiça que foram aprovadas no parlamento. Entre as medidas que o PAICV propôs ao governo para fazer face aos impactos da pandemia, constam medidas de natureza sanitária, social, económica e também medidas de natureza legal e de administração da justiça. Há de exemplo, posso dar-lhe o programa de apoio a famílias carenciadas que foi proposta do PAICV, a moratória foi proposta do PAICV ou também a própria massificação ou a  generalização do uso de máscaras para proteção que foi também proposta do PAICV no parlamento. E é preciso dizer-se com toda a abertura e humildade que todas as medidas adoptadas por Cabo Verde para fazer face à pandemia eram boas na intenção, mas o problema é que não foram implementadas com a eficácia, a eficiência e a celeridade necessárias para esse tipo de situações, considerando os impactos que já estavam a ter na vida dos Cabo-verdianos. Eu posso dar-lhe vários exemplos dessa ineficiência, dessa ineficácia e dessa falta de celeridade na implementação das medidas. Desde logo tivemos duas situações graves que ocorreram: uma em São Vicente e outra na Boavista. Essas duas situações mereceriam uma análise cuidada, uma ponderação e a detecção de erros para que fossem corrigidos e não fossem cometidos erros similares durante a pandemia. Tivemos essas duas situações em São Vicente primeiro e depois na Boavista. Tivemos também atrasos na questão dos laboratórios ou dos aparelhos para os testes. Tivemos também uma ineficácia grande no que tange ao programa de apoio a famílias carenciadas, no nosso ponto de vista uma escassez de recursos para este fim, o governo gastou cerca de 81 mil contos de acordo com o relatório que submeteu ao parlamento para o programa de apoio a famílias carenciadas, mas considerando o estado de emergência, considerando o número de famílias carenciadas em Cabo Verde, isso daria para cada cesta básica cerca de 515 escudos. É impossível que uma família viva durante dois meses com 515 escudos. Tivemos também a situação da moratória que demorou a chegar a muitas empresas, outras ainda não conseguiram, segundo relatos na própria comunicação social. Tivemos também algum atraso na adoção das medidas de massificação e generalização das máscaras. É claro que, este conjunto de ineficiências ou atraso na implementação das medidas, numa situação pandêmica, com graves e fortes impactos na vida dos Cabo-verdianos, têm consequências. Portanto, o que eu posso dizer é que nós entendemos que a pandemia teve muitos impactos, mas entendemos que o processo poderia e deveria ser melhor gerido, a bem dos Cabo-verdianos e a bem do país e dizemos isso porque entendemos que a nível da definição das prioridades e a nível da eficácia e rapidez na implementação das medidas aprovadas, dever-se-ia ter muito maior cuidado.

Quando fala na reestruturação do setor do turismo, tem a ver com esta primeira e também com a segunda pergunta. Nós temos uma visão global para o setor do turismo, por isso a primeira questão é que nós pensamos que Cabo Verde deve ser transformada num destino de referência pela via da qualificação do turismo. Quando dizemos qualificação do turismo, temos alguns pilares que são fundamentais, desde logo o pilar da competitividade: nós temos de tornar Cabo Verde um país competitivo. Infelizmente, o último relatório sobre a competitividade do turismo do ano passado demonstrou-nos claramente que estamos a perder posições e já ocupamos a posição 83ª no ranking, descendo 5 posições. Em grande parte, por uma baixa disponibilidade de recursos culturais para viagens de negócios, mas também por baixas condições de saúde, saneamento, ineficientes condições de segurança e por um baixo nível de prontidão das TIC. Pensamos sim que é preciso qualificar o turismo em Cabo Verde, apostando numa maior competitividade.

Mas também pensamos que é preciso  apostar no pilar da sustentabilidade. Falo da sustentabilidade ambiental, social e económica. Pegando no último sub pilar, a sustentabilidade económica, é evidente que temos de ter em conta os custos de contexto em Cabo Verde para melhorar a sustentabilidade do setor do turismo. Mas quando falo também da sustentabilidade social, é preciso ter-se em conta os fluxos migratórios para as ilhas com vocação especialmente turística, que acaba por ter uma maior concentração. Quando há um aumento do número de turistas, é essencial que se prevejam um maior número de trabalhadores. Quando há um aumento do número de trabalhadores, há um aumento generalizado da população. Quando há um aumento da população, as infraestruturas  de água, de energia, de saneamento, de educação, de saúde e de habitação têm de acompanhar o aumento do número de pessoas, senão corre-se o risco de ficar com dois mundos dentro de uma mesma ilha, e é aí que a sustentabilidade social fica em causa.

Por último e não menos importante, a sustentabilidade ambiental. É claro que apesar dos estudos de impacto ambiental, existem preocupações no que tange à sua eficácia e isenção. É preciso termos em conta uma projeção a médio e longo prazos da densidade demográfica e da densidade turística, e do potencial disto afetar negativamente o destino turístico e as potencialidades turísticas de Cabo Verde.

Para além dos pilares competitividade e sustentabilidade, não posso deixar de falar de um pilar que para mim é muito importante, tem a ver com a necessidade de combate da concentração, e aqui permita-me partilhar dados concretos: o turismo de Cabo Verde tem sido caracterizado por múltiplas concentrações, desde logo concentração de origem: 51% dos turistas vêm de países europeus; concentração de destino: os turistas vão para duas ilhas maioritariamente, Sal e Boavista; concentração de operadores: até a pandemia, 7 em cada 10 turistas eram trazidos por apenas dois operadores; concentração de transportadores: 46% de turistas eram transportados por apenas dois transportadores; concentração de fornecedores: Sal e Boavista eram até a pandemia basicamente fornecidos por duas empresas. E o risco? Isso é muito importante. É dependência do setor de um grupo muito restrito de decisores privados estrangeiros, de um grande risco.

E para finalizar, tenho frisado muito isso, é garantir a maximização do impacto líquido do turismo na vida dos Cabo-verdianos.

O turismo não pode ser um fim em si mesmo, o turismo é um meio para desenvolver o país, mas também para melhorar as condições do país. Se for um meio, os Cabo-verdianos têm de sentir as suas vidas mudarem com impacto do turismo, direta ou indiretamente.

E sempre tenho dito que temos todos de reconhecer o impacto do turismo na economia Cabo-verdiana, em termos de receitas, de geração de empregos diretos e indiretos e em termos de compras mesmo que em menor escala, mas é importante que apesar dessas contribuições nós tenhamos um maior impacto do turismo na redução da taxa de desemprego, num crescimento inclusivo, mas sobretudo na melhoria das condições de vida dos Cabo-verdianos. O turismo é importante, mas tem de puxar a vida, do ponto de vista da melhoria das condições de vida dos Cabo-verdianos, e é isso que defendemos.

As ilhas de Santiago e do Maio, estão perante uma nova fase de desenvolvimento do turismo, pelo crescente número de novos investimentos, principalmente na hotelaria. Tendo em conta as experiências relacionadas com a falta de sustentabilidade em aspetos fundamentais do desenvolvimento turístico das ilhas de Sal e Boavista, como considera o desenvolvimento sustentável e inclusivo do turismo nos concelhos das ilhas de Santiago e do Maio?

Penso que antes de tudo é preciso garantir-se a definição da visão. Para nós, é preciso transformar Cabo Verde num destino de referência qualificado. Dei quatro pilares e aqui permita-me desenvolver o pilar da sustentabilidade. Queremos desenvolver o turismo na ilha do Maio, há uma questão prévia que tem a ver com os transportes, não é possível se ter turismo sem transportes, portanto é preciso sim que o estado assuma o seu papel no que tange aos transportes. Entendo que devemos ter parcerias, valorizo muito o papel do setor privado, mas a definição das políticas de transporte é da responsabilidade do governo da república. Dito isto, eu penso que a projeção do número de turistas para a ilha do Maio, por exemplo, depois de criar as condições basilares que passam naturalmente pela questão dos transportes, é preciso que a projeção tenha em conta o aumento do número da população e consequentemente a criação de condições infraestruturais, de água, de eletricidade, de saneamento, de educação, de saúde e de habitação, maioritariamente ou prioritariamente, para que nós tenhamos de facto um destino turístico de referência e que seja ao mesmo tempo sustentável, porque se nós não tivermos essas condições reunidas e considerando as projeções, corremos o risco de ter um aumento exponencial do número de turistas no Maio, mas se não temos infraestruturas de educação, por exemplo, para acompanhar naturalmente o número da população considerando a necessidade de trabalho naquela ilha. E quando é assim, não podemos apoiar ou permitir que tenhamos pais que vão para lá trabalhar e entretanto os filhos não tenham escola para estudar. Não podemos permitir que haja mais trabalhadores lá, mas sem acesso à saúde. Não podemos permitir que num país com problemas de desemprego, havendo uma oportunidade e as pessoas queiram ir para lá trabalhar, entretanto não haja condições habitacionais criadas, condições de fornecimento de água ou de eletricidade. Mas o quê que garante isso? Garantir isso é uma planificação prévia e a inclusão dessa perspetiva na negociação do próprio projeto turístico. Não quer dizer que estou a pedir aqui que os privados assumam, não! Mas o estado quando aprova, promove ou impulsiona um projeto tem de ter em conta essa aprovação, os postos de trabalho que geram e o número de pessoas que vai mobilizar para cumprir o seu papel do ponto de vista do investimento público. Há investimento público que tem de ser assumido pelo estado e há investimentos privados que devem merecer a promoção do estado, desde que sirvam os interesses de Cabo Verde e dos Cabo-verdianos.

Cabo Verde detém hoje quatro importantes ativos ou distinções para a promoção de um turismo diferenciado, de alto valor acrescentado e que atendam às novas tendências do turismo durante e no pós-pandemia, são eles dois Patrimónios inscritos na lista da UNESCO, o Sítio Histórico da Cidade Velha – Património Cultural e Natural da Humanidade e a Morna – Património Cultural Imaterial da Humanidade, a cidade da Praia que figura na lista da UNESCO como Cidade Criativa no âmbito da Música e as ilhas de Fogo e Maio que fazem agora parte da Reserva Mundial da Biosfera da UNESCO.

Na sua opinião, como é que o Governo de Cabo Verde poderá direcionar a promoção externa do país baseado nesses ativos e garantir uma política externa que atenda as especificidades do país?

Como é que a Diplomacia Cabo-verdiana poderá contribuir para esta promoção e atrair investimentos com impacto para o país?

E qual o papel da Diáspora Cabo-verdiana?

Antes de mais, é preciso mais uma vez partilhar aqui a nossa visão de Cabo Verde. Nós assumimos claramente e reiteramos essa mesma visão num outro tipo de debate sobre política externa que houve no parlamento. Para nós, Cabo Verde é uma nação global, esse é o ponto de partida. Por ser uma nação global, nós defendemos uma política externa atuante, muita na perspetiva de uma Diplomacia Económica, que valorize a Parceria Especial com a União Europeia, a integração regional e mundial e por outro lado o trabalho para a diversificação de novas ancoragens. Quando nós falamos na diversificação de ancoragens e na Diplomacia Económica, nós estamos a pensar exatamente na mobilização ou na reorientação da nossa Diplomacia para a sua focalização na mobilização de recursos e de parceiros para grandes investimentos no nosso país. Mas também estamos a pensar na captação de investimentos através de Brokers e Agentes Internacionais de promoção de Mercados. Dito isto de outra forma, defendemos uma Diplomacia atuante orientada para a captação de investimentos, por um lado, mas não deixamos por isso de também defender a consolidação da Parceria Especial com a União Europeia, a integração regional e mundial e a diversificação de ancoragens. Nós defendemos que Cabo Verde tem beneficiado muito da Parceria Especial com a União Europeia, foram desenvolvidos três pilares na anterior governação, era pressuposto que os restantes três pilares fossem desenvolvidos na atual governação. Mas é evidente que valorizando essa parceria, nós não podemos deixar de pensar em novas ancoragens, em novos parceiros, porque Cabo Verde tem de ter a capacidade de manter a neutralidade da sua política externa para se manter útil ao mundo, sobretudo numa perspetiva de poder contribuir lá onde for necessário e conveniente. Agora quando eu falo na Diplomacia Económica, na diversificação de ancoragens, eu não posso deixar de fazer aqui um link com uma questão que é muito importante, qualquer Diplomacia, qualquer política externa para ter melhores condições de poder desempenhar o seu papel, tem de ter por base a boa governação do país.

A boa governação do país é o primeiro ativo estratégico para a promoção da imagem e da credibilidade externa de Cabo Verde. Eu digo isso muitas vezes, porque cada setor ou cada pilar tem de cumprir o seu papel. Dito isso, é evidente que um país como Cabo Verde que tem escassez de recursos e problemas estruturais, mas que passou de país inviável em 1975 para um país de rendimento médio em 2007/2008 e um caso de sucesso em África, reconhecido como um dos países melhores governados em África na anterior governação é porque as mulheres e os homens Cabo-verdianos têm capacidade, vontade, empenho, mas, sobretudo estão determinados e sempre estiveram a fazer deste país um novo país ou a terra com que todos nós sonhamos.

Entendo sim que a Diplomacia pode ter sim um papel muito importante para atrair investimentos com impacto para o país, mas penso que a Diplomacia só conseguirá cumprir cabalmente o seu papel, se a governação for de facto séria transparente, credível para poder ajudar na promoção da imagem externa de Cabo Verde.

Quando falamos numa nação global, nós estamos a pensar na nossa Diáspora. A dimensão muito importante que a nossa Diáspora tem que é de mobilizar-se e sempre participar no processo de desenvolvimento do país.

Nós temos defendido sempre que a nossa Diáspora tem dado um contributo muito acima das remessas que são enviadas. Naturalmente que a remessa dos emigrantes Cabo-verdianos têm tido ao longo dos tempos, desde a independência nacional, um papel determinante no processo de desenvolvimento do país. Mas nós temos tido também um contributo na dimensão cultural e na dimensão do conhecimento por parte da nossa Diáspora. Eu vejo o contributo da nossa Diáspora a três níveis: a nível económico,  a nível cultural e a nível do conhecimento. A nível económico, eu penso que um dos maiores investidores de Cabo Verde tem sido a Diáspora Cabo-verdiana, por isso mesmo é que é fundamental que o tratamento que se dá aos emigrantes Cabo-verdianos seja um tratamento devidamente enquadrado e que tenha em conta a necessidade de valorização daquele que é o maior e o melhor investidor em Cabo Verde que é o emigrante Cabo-verdiano. Por aquilo que faz cá, por aquilo que faz aos familiares que deixa cá e pela sua crença inequívoca e inabalável no futuro do país. Eu questionei muitas vezes ao atual governo por ter aprovado o Green Card para o investidor estrangeiro antes de ter avançado com o Estatuto do Investidor Emigrante. Não tenho nada contra os investidores estrangeiros, mas eu defendo que é preciso aqui garantir-se um equilíbrio, portanto não entendi como é que tal foi possível assim como não entendi e manifestei isso publicamente, como é que se pode garantir a isenção de visto para cidadãos da União Europeia e Reino Unido sem se garantir o mínimo de reciprocidade aos cidadãos Cabo-verdianos. Ou seja, eu penso que é preciso se trabalhar nas parcerias, mas eu penso que há uma dimensão do patriotismo que nenhum governo tem o direito de renunciar.

Como consequências da crise provocada pelo Covid-19, temos o agravamento da problemática do alto índice do desemprego jovem em Cabo Verde, novos desempregados causados pela diminuição de receitas de muitas empresas, principalmente MPMEs (Micro, Pequenas e Médias Empresas), sendo que um número significado são forçadas a encerrarem as suas atividades, o aumento da criminalidade e da insegurança, problemas psicológicos e emocionais derivados da perda de rendimento, entre outras consequências.

Quais as medidas públicas que poderão ser implementadas, por um lado, para mitigar os efeitos devastadores da pandemia nas empresas Cabo-verdianas, e por outro lado, para criar melhores condições para a coesão económica e social das famílias mais afetadas pela pandemia do novo coronavírus?

R: Aqui eu penso que é uma oportunidade para partilhar um pouco a nossa visão de um “Cabo Verde para todos”.

Nós temos defendido um Cabo Verde para todos na perspetiva de uma visão do desenvolvimento, com crescimento inclusivo.

Nesses quatro anos que se passaram antes da pandemia, eu própria tinha ouvido várias vezes o governo propalar que o país tinha crescido cinco vezes mais. Entretanto, esse crescimento propalado não foi sentido pelos Cabo-verdianos e não se refletiu nem a nível de investimentos públicos e nem a nível da melhoria da condição de vida dos Cabo-verdianos. Não concebo um crescimento em que não haja investimentos na área da cultura, onde está 30% da população Cabo-verdiana. Não concebo um país a crescer 5% quando a saúde não melhora, quando não há aposta nas pescas, quando a educação não é uma prioridade, portanto eu concebo sim um crescimento que se reflita na inclusão social, que seja estribada e sustentada por uma visão de desenvolvimento baseada em setores estratégicos da economia e que, sobretudo tem impactos claros na redução do desemprego.

Não vejo como é que um país possa crescer cinco vezes mais e o governo se ver obrigado a massificar os estágios profissionais, para tentar transformar o estágio profissional em emprego jovem.

Portanto qual é a nossa visão de desenvolvimento? Um Cabo Verde para todos!

Um Cabo Verde para todos, que aposta desde logo na consolidação de setores estratégicos da economia.

Começando pelos transportes. Os transportes para mim não são uma questão financeira, mas sim de soberania. É uma questão de coesão territorial, de promoção de mobilidade, de pessoas e cargas, porque nós somos ilhas, portanto penso inequivocamente que a definição de política de transportes deve ser responsabilidade do governo para garantir-se exatamente a coesão territorial entre as ilhas, a mobilidade de pessoas e cargas e assumir-se claramente esse papel que os transportes têm.

Entretanto eu não posso deixar de pensar, até porque a inclusão social tem para nós muita relevância, que 30% da população Cabo-verdiana está no campo e é lá que a pobreza é sentida de forma muito mais acutilante. Não é possível garantirmos mais oportunidades e aumentarmos os rendimentos das famílias no campo, se não se investir fortemente na principal atividade económica no mundo rural, na agricultura. É preciso sim, continuar-se a trabalhar e investir fortemente na modernização da agricultura. Mas isso não é possível sem a mobilização de mais água, portanto é preciso mobilizar mais água, organizar os produtores, organizar a produção, garantir-se o trabalho na cadeia de valores para transformar os produtos, promover o seu transporte e a sua comercialização e ter como destino último o fornecimento do mercado interno, do mercado turístico e até o fornecimento de alguma parte da nossa Diáspora.

Se temos esta visão para a agricultura, eu não posso deixar de falar nas pescas. O mar é uma das maiores riquezas que Cabo Verde tem. Nós temos um potencial de captura enorme que não está ainda a ser aproveitado. Mas não vai ser aproveitado se nós não assumirmos claramente que temos de investir na pesca industrial e na pesca semi-industrial. Mas para isso é preciso antes de mais, garantir-se a renovação da frota e o financiamento para esse setor em termos específicos e especiais, ou seja, considerando a sazonalidade dessa atividade. Temos de investir em plataformas de frio, em unidades de transformação de pescado e temos de investir também na formação dos agentes neste setor e na investigação para podermos evoluir.

Outro setor fundamental para nós é a Telecomunicações e as Tecnologias de Informação e Comunicação. Para mim, este setor não é um fim em si mesmo, mas sim um meio para alcançarmos o desenvolvimento. E enquanto ilhas, nós somos obrigados a ter em conta que Cabo Verde só se vai desenvolver nos termos em que queremos utilizando a via digital, por exemplo, eu tenho falado muito na Universidade Aberta de Cabo Verde, porque eu entendo que a universidade deve chegar a todas as ilhas, mas não conseguiremos fazer a universidade chegar de forma física a todas as ilhas, é preciso fazê-la chegar pela via digital, mas para que chegue é preciso que este setor seja objeto de investimentos para que contribua para esse Cabo Verde digital.

Há claramente um outro setor que nós não podemos abrir mão que é o Turismo, cuja visão já partilhei.

Quando eu penso na consolidação dos setores estratégicos da economia, eu estou a pensar também em setores que têm de ser objetos de devida atenção, considerando a importância das políticas sociais para um desenvolvimento e crescimento inclusivo e sustentável.

Se o país cresce, a saúde tem de melhorar. Se o país cresce, a educação tem de ser mais acessível e de qualidade.

Eu não posso ter o país a melhorar e não conseguir também melhorar o acesso à saúde. Defendemos sim que a saúde não é um luxo, a saúde é um direito. E é preciso que Cabo Verde tenha e avance desde logo com o cuidado de pacotes essenciais na saúde, de qualidade e que seja acessível a todos. É preciso apostar num tratamento diferenciado, quimioterapia, neurocirurgia, diálise, e é preciso garantir equipamentos que hoje são prioritários e essenciais nas unidades de saúde em geral. É preciso trabalhar para um sistema de evacuações que seja mais eficiente e eficaz, não só internamente, mas estabelecendo também acordos com novos estados para garantir as respostas que nós não conseguimos dar aqui para salvar vidas, diversificando também os acordos a nível da saúde.

É evidente que ninguém consegue fazer tudo, mas eu acredito que é possível fazer muito mais e muito melhor do que aquilo que está a ser feito neste momento. Desde logo, porque nós temos de definir prioridades. Para mim não é prioridade o estado gastar mais de 600 mil contos por ano em viagens, quando temos famílias que não têm rendimento. Para mim não é prioridade estarmos a criar estruturas desnecessárias e que não são prioridades neste contexto de crise, como é o caso da empresa Água de Rega ou o caso do Instituto da Juventude e do Desporto, quando temos famílias inteiras cujos membros não têm emprego, quando nós estamos com um país onde as receitas já baixaram claramente.

É preciso apostar prioritariamente na saúde!

Para mim não é prioridade que o orçamento de estado para 2021 tenha previsto 1.4 milhões só para a assistência técnica.

Para mim não é prioridade que se gaste neste momento, previsto no orçamento de estado para 2021, mais de 380 mil contos em honorários e mais de 140 mil contos em publicidade.

Para mim não é prioridade, porque o país está a passar por situações difíceis e há famílias inteiras sem rendimentos, sem emprego e o mundo rural que depois de três anos de seca consecutiva, continua a sofrer pela falta de visão, de estratégias e de medidas desta governação.

Portanto governar é definir prioridades, estabelecer o que é prioritário. Eu tenho dito que um bom político ou governante é aquele que cuida de seu povo como uma mãe cuida de seu filho.

 

Biografia Janira Hopffer Almada

Nascida a 27 de setembro de 1978 na cidade da Praia, na ilha de Santiago, é filha do político, escritor e jurista, David Hopffer Almada, e da professora universitária, Ana Maria Hopffer Almada. Licenciou-se em direito e pós-graduou-se em direito societário na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em Portugal.

Janira é advogada e trabalhou como associada na empresa do seu pai, D. Hopffer Almada e Associados. É membro da Ordem dos Advogados de Cabo Verde e foi professora da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde entre 2003 e 2006.

Janira foi deputada municipal nas eleições autárquicas de 2008 e foi eleita à Assembleia Nacional de Cabo Verde nas eleições legislativas de 2011. Foi também ministra da Juventude, Emprego e Desenvolvimento dos Recursos Humanos de Cabo Verde.

Janira foi eleita a líder do PAICV a 14 de dezembro de 2014 com 51,24% dos votos, tendo sucedido José Maria Neves, e tornando-se a primeira mulher a liderar o partido.

Perdeu as eleições legislativas de 2016, tendo trabalhado na oposição e preparando-se para as eleições de 2020 e 2021.

Em outubro de 2020, o PAICV conseguiu vencer as eleições autárquicas em cinco dos nove concelhos existentes na ilha de Santiago (Praia, São Domingos, Santa Cruz, Ribeira Grande de Santiago e Tarrafal). A estas se juntam duas autarquias da ilha do Fogo, São Filipe e Mosteiros, e a ilha da Boa Vista.

As eleições legislativas estão já agendadas para o próximo dia 18 de abril, onde Janira Hopffer Almada é líder do partido PAICV para a disputa da maioria no Parlamento e quiça a chefia do Governo eleito.

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