Seguramente que 2015 ficará na história e na memória como sendo o ano da definição da Agenda 2030. Para os profissionais do turismo é talvez o ano em que o turismo foi chamado a responsabilidade, não somente devido a capacidade do setor em contribuir nos três pilares da sustentabilidade – económico, social e ambiental -, mas também pelo dever de despertar consciências nas populações residentes e visitantes.
Atualmente, muito se discute sobre sustentabilidade, essa palavra feminina que encerra em seu sentido o sustento, a conservação das condições de vida adequadas para essa e futuras gerações. Circulando em diferentes contextos desde, pelo menos, a década de setenta do século passado, o conceito de sustentabilidade foi fortemente articulado aos aspetos ambientais. Estes são, sem dúvidas, essenciais ao desenvolvimento sustentável, mas não bastam, se não articulados a outros relevantes fatores, que são sociais e económicos.
Nesse sentido, após quase meio século de discussões e amadurecimento do entendimento sobre sustentabilidade, sobretudo sobre sua efetivação prática, compreende-se que essa só é viável a partir de uma visão integrada entre ambiente, sociedade e economia, em que o todo é maior que a soma das partes. Mais do que isso, a sustentabilidade deve ser um conceito transversal, que seja articulado às mais diversas esferas de atuação social. Ou seja, cada setor – público, privado ou não governamental, ou ramo de atividade, como é o caso do turismo, deve ter, na sua essência, preocupações e indicadores que permitam acompanhar os índices de desenvolvimento sustentável em seu raio de influência.
Dentro de tais pressupostos, procurando meios de dinamizar a efetivação de práticas sustentáveis, que se fazem urgentes devido ao alto nível de esgotamento de recursos naturais e disparidades socioculturais acentuadas, a Organização das Nações Unidas (ONU) tem trazido essa temática à centralidade de suas discussões há algum tempo. Em sua mais recente empreitada, lançou em 2015 a declaração: “Transformar nosso mundo: a agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável”.
Amplamente divulgada, – inclusive foi tema debatido neste periódico em sua edição anterior – ela é composta por dezassete objetivos, subdivididos em 169 metas, que visam o desenvolvimento sustentável. Tal agenda foi referendada pelos 193 Estados membros da ONU. Sendo que, cada um deles deve organizar, de acordo com a realidade de cada país, estratégias e meios para a efetivação de ações em direção a tais metas e objetivos.
Nesse cenário, o turismo se apresenta como um interessante campo de estudo e implementação de práticas voltadas à sustentabilidade. Pois, a essência dessa atividade é holística e integrante, é visível a interdependência entre ambiente, sociedade e economia no processo de desenvolvimento turístico. Dentre os dezassete objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) propostos, três deles trazem o turismo nominalmente no seu texto. São aqueles que se referem a trabalho decente e crescimento económico (08), produção e consumo responsável (12) e uso sustentável dos oceanos e recursos marinhos (14).
Porém, além desses, a Organização Mundial do Turismo (UNWTO) identifica que a atividade turística tem capacidade para contribuir direta ou indiretamente com todos os 17 ODS. – https://tourism4sdgs.org/tourism-for-sdgs/tourism-and-sdgs/. Nesse sentido, de acordo com a realidade de cada região, tem-se promovido articulações que buscam evidenciar, de modo prático, quais contribuições possíveis do turismo para o alcance de tais ODS. Aqui, escolhemos abordar especificamente o ODS 05, que visa a Igualdade de Género.
Apesar de, a primeira vista, não ser evidente a relação entre sustentabilidade, turismo e género, vale lembrar que, 54% das pessoas empregadas no turismo são mulheres; que nesse setor elas recebem em torno de 15% a menos que seus pares masculinos nas mesmas funções e, que, as mulheres representam apenas 23% dos ministros de turismo no mundo. Em muitos países elas ainda têm níveis educacionais mais elevados que os homens, apesar de receberem menores salários e terem menos acesso a cargos de liderança e tomadas de decisões no turismo. Além disso, em alguns países há prática de turismo sexualmente motivado, que mantém e acentua as discrepâncias de género.
Diante de tal conjuntura, em 2020 a UNWTO, junto com a ONU Mulheres e mais alguns parceiros, divulgou o Segundo Relatório Global das Mulheres no Turismo. Esse documento analisa as mudanças ocorridas desde sua primeira edição, de 2010, e, sobretudo, propõe-se a analisar as contribuições do turismo para a Agenda 2030, em especial através do ODS 05, que prevê a igualdade de género e o empoderamento de mulheres e meninas.
O relatório estrutura-se com base em cinco objetivos temáticos que versam sobre emprego; empreendedorismo; educação e formação; liderança, política e tomada de decisão; e, comunidade e sociedade civil. Apresenta, também, estudos de caso realizados na África, América Latina e Caribe, Ásia e Pacífico e Europa. Por fim, aborda ainda, especificamente, alguns componentes do turismo, como plataformas digitais e tecnologia, hotéis e acomodações, operadoras turísticas e turismo de base comunitária, além de trazer recomendações e pontos de ação.
A riqueza desse material consiste não apenas em dar visibilidade às diferentes formas que o turismo é permeado pelas relações desiguais de género, nos mais distintos contextos, mas também em promover recomendações e indicadores para que ações em busca da igualdade sejam promovidas dentro da atividade turística em prol do almejado desenvolvimento sustentável. Assim como a sustentabilidade deve ser um conceito transversalizado nas mais diversas áreas de atuação, as relações de género, que se inserem na sustentabilidade mas não se resumem a ela, também devem ser pautadas de modo transversal. Pois, não há desenvolvimento sustentável possível sem igualdade de género!
Segundo Moreno (2017), planear o desenvolvimento do turismo a partir de uma perspectiva de género, implica realizar uma análise de género em todas as fases de um projeto que mostram as diferenças e desigualdades com o máximo de detalhes possível entre mulheres e homens, as suas causas, as suas consequências, a forma como as mulheres são ou não visíveis e por fim, recomendar e promover medidas de compensação que reduzem ou eliminam as lacunas de género existentes.
Portanto, não é difícil, é preciso vontade política para introduzir mudanças na educação, na linguagem e no markerting dos destinos.
Urge uma perspectiva de genero em todas as abordagens no turismo.
Moreno, D. (2017). Turismo y Género: un enfoque esencial en un contexto de desarrollo sostenible y responsable del turismo (Tesis doctoral). Universidad Complutense de Madrid, España