Chama-se cláusula de paridade e é o ódio de estimação da hotelaria em toda a Europa. Dois anos depois dos primeiros protestos, os hoteleiros voltam a contestar a regra da Booking que impede os hotéis de praticarem nos seus próprios Web sites preços mais baixos face aos que são oferecidos na plataforma de reservas. Os empresários portugueses, sem quererem hostilizar a Booking, falam em “distorção” da concorrência e querem que o fim da cláusula se estenda a toda a Europa. A regra é polémica e já gerou uma queixa conjunta de dez autoridades europeias na Direção-Geral da Concorrência da UE, em 2015. O relatório de Bruxelas, publicado em Abril, não foi longe no diagnóstico, mantendo o Booking “sob observação”. A sentença não foi suficiente para França, Itália, Suécia, Alemanha e Áustria, que lutaram até conseguirem acabar com esta imposição.
O tema deverá estar no centro do debate em outubro, durante a próxima assembleia da Hotrec, a organização europeia que representa a indústria hoteleira, e que tem sido uma das vozes mais críticas da cláusula imposta pela Booking, de acordo com o jornal espanhol Cinco Días. Cristina Siza Vieira, presidente da Associação de Hotelaria de Portugal, diz que a mudança seria recebida com bons olhos. “A AHP ainda não foi abordada por outras associações, mas caso isto seja discutido na Hotrec, poderemos vir a associar-nos às iniciativas do resto da Europa”, diz em declarações ao Dinheiro Vivo.
O que está em jogo é a igualdade na captação de investimento na perspetiva da concorrência, porque no modelo atual o mercado está distorcido. “É legítimo que a indústria hoteleira procure as mesmas condições no mercado europeu e agrada-nos que isso aconteça. Seria interessante para a indústria que a Booking operasse nas mesmas condições em todo o continente”, defende. Apesar de nunca ter apresentado queixa à Autoridade da Concorrência em Portugal, a AHP já abordou o tema junto do atual e do anterior governo, porque “as associações são muito pequenas e sozinhas não conseguem nada contra a Booking. As proibições têm sido levadas a cabo por intervenções robustas por parte dos próprios Estados”.
Foi o que aconteceu em França com a lei Macron, quando o atual presidente francês era ainda ministro da Economia e adotou medidas protecionistas. Os dados da Hotrec revelam que as cláusulas de paridade já foram eliminadas em 46% do mercado europeu. O CEO da organização, Christian de Barrin, garante que “outros Estados membros seguirão o exemplo”. O próximo deverá ser a Bélgica, onde já está em curso o processo legislativo que dará força de lei ao fim da cláusula de paridade.
Cristina Siza Vieira destaca, porém, que a iniciativa não é uma cruzada contra a plataforma de reservas. Apesar de defender que “é fundamental que os hoteleiros não fiquem reféns da Booking e que encontrem canais próprios de distribuição”, a presidente da Associação de Hotelaria de Portugal reconhece que “a cooperação com a Booking é fundamental”, porque a quota de mercado da plataforma em Portugal ronda os 80%. “Tem um peso grande e muitos alojamentos. Se não fosse a Booking, não existiam”, reconhece. Uma posição que é corroborada pelos hoteleiros. Gonçalo Rebelo de Almeida, administrador dos hotéis Vila Galé, confirma que em Portugal “não tem sido discutida nenhuma medida” contra a plataforma e que a Booking é um dos principais parceiros de negócio do grupo. “Como em todas as parcerias, existem coisas que gostaríamos de negociar melhor, mas são detalhes contratuais. Não identificamos nada de problemático, nem nenhum abuso de posição dominante. A relação é saudável”, sublinha o gestor.
No caso do grupo que lidera, a Booking “é um dos principais canais de venda”, mas no bolo total das reservas a percentagem não chega aos 10%. Apesar da boa relação que os hoteleiros garantem ter com as plataformas como a Booking, as queixas há muito que se fazem ouvir. Além da cláusula de paridade, os líderes da hotelaria reclamam das comissões praticadas pelos intermediários.
Num encontro do setor que teve lugar no início do verão, Manuel Proença, CEO da Hoti Hotéis, sublinhou, citado pela Publituris, que “o que mais pesa nas receitas dos hotéis são as comissões cobradas pelas plataformas online, que variam entre os 20% e os 25%”. E sublinhou que “há uma grande parte deste bolo do turismo que acabou por se posicionar fora do país nestas plataformas. Isto é um fenómeno relativamente recente, que é muito difícil de combater”.
Na mesma ocasião, também José Theotónio, CEO do grupo Pestana, reclamou que “o crescimento dos custos com os intermediários online tem vindo a subir de forma exponencial e, no fundo, essas empresas são hoje aquelas que se estão a apropriar de uma forma importante daquilo que é o valor que o turismo tem vindo a criar”.