Sem transporte interno é impossível diversificar a economia

Andrea Benolli - Presidente Cabo Verde Empresas

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A Cabo Verde Empresas considera que a situação dos transportes “nacionais” em Cabo Verde é altamente constrangedora. Nos últimos trinta dias os jornais encheram-se de notícias alarmantes sobre a situação dos transportes mas, apesar disso a posição do atual ministro em exercício, mantém-se inalterada e o plano de ação no sector dos transportes domésticos continua por publicar.

Vejamos as principais notícias publicadas nos jornais nas últimas 5 semanas:

  • A 04 de Julho a TACV negociou o despedimento de pessoal e a redução dos salários dos pilotos, e três dias depois, deixou 110 passageiros em terra no Mindelo por não estarem autorizados a voar na Europa (licença não renovada).
  • No dia 8 de julho, o navio CV Inter-ilhas sofre uma avaria e é devolvido ao porto junto com outros dois navios do Grupo ETE em manutenção, causando um caos total no transporte marítimo, dado ocupar uma posição de quase monopólio no mercado doméstico.
  • A 11 de julho, o litígio entre a TACV e a Icelandair fica finalmente resolvido, obviamente com a devolução da aeronave aos proprietários e a assunção pela TACV, já em grave crise financeira, das dívidas com a ASA.
  • Em 17 de julho, a quebra de uma aeronave Best Fly afeta fortemente todo o transporte aéreo doméstico durante pelo menos uma semana. Esta também é uma empresa monopolista com 2 aeronaves disponíveis. Significa que a cada manutenção ou avaria, o transporte doméstico continuará a sofrer enormes repercussões na mobilidade nacional.
  • No dia 28 de julho, a empresa CVI do grupo ETE acusa o governo de não ter revisto as tarifas do transporte marítimo desde 2012 e de não ter pago dívidas de milhões de euros, desculpando-se que nestas condições não é possível investir em meios adequado e na manutenção a longo prazo.
  • No dia 1 de agosto, numa evacuação médica urgente da ilha da Brava a única alternativa é um barco privado, que infelizmente sofre uma avaria. Não havia meios alternativos de emergência para evacuação médica e a evacuação terminou em tragédia.
  • A 4 de agosto, a Câmara do Turismo de Cabo Verde alerta que os preços exorbitantes dos voos inibem a procura turística, alegando que os custos aeroportuários de Cabo Verde são excessivamente elevados.
  • A 7 de agosto, a Associação de Guias Turísticos de Santo Antão anunciou também que os preços dos voos estão tão elevados que os turistas cancelam as suas reservas, com graves prejuízos para a economia local.
  • A 10 de agosto, a TACV admite que o negócio atual não tem capacidade para pagar todos os custos, pelo que, de facto, declara que a empresa está a acumular prejuízos.

A Cabo Verde Empresas apoia a opção estratégica de incentivar a descentralização da oferta turística, prevista no plano estratégico de marketing aprovado pelo Governo, alargando o destino de Cabo Verde a todas as 9 ilhas habitadas, mas esta aposta é inviável à partida já que não existem condições mínimas para transporte interno de forma a dar qualquer tipo de garantia aos turistas internacionais ou nacionais, tanto em termos de preços, regularidade e previsibilidade tanto no sector aéreo como no sector marítimo.

O transporte doméstico não é apenas uma questão de comércio, é sobretudo uma questão social prevista na nossa Constituição e o garante do direito à mobilidade. Mas não se pode garantir o direito à mobilidade quando os preços do transporte aéreo ultrapassam o salário mínimo e o marítimo exige muitas horas de sofrimento a que nem todos podem resistir, devido à idade ou condições de saúde.

Ainda não conhecemos os planos estratégicos e operacionais do Ministério dos Transportes para regular o mercado, para que as ligações inter-ilhas sejam um recurso para o país e não um drama social contínuo a ser publicado todas as semanas nas páginas dos jornais nacionais ou em os inúmeros comentários nas plataformas digitais.

Qual é o sentido de ficar indignado se você não receber nenhuma resposta? Quais são os parâmetros utilizados para avaliar a qualidade do serviço oferecido? Onde estão as estatísticas de atrasos, cancelamentos, falta de resposta a um call centre ou falta de reembolso de despesas? Quem avalia a qualidade das concessões emitidas e quais as consequências para quem não redefine os parâmetros mínimos de qualidade? Quais são os órgãos responsáveis pelo controle e o que eles têm feito para gerenciar os problemas que continuam evidentes na média pública e privada?

Os operadores turísticos não conseguem fazer um plano de investimento que não seja nas ilhas do Sal e da Boavista, por não se sentirem suficientemente garantidos pela fiabilidade do transporte ou competitivos nos custos de um pacote turístico interno, não podemos garantir o transporte de produtos frescos entre as ilhas, com prejuízos contínuos ao comércio interno e isolamento económico de algumas ilhas de outras, aumentando a nossa dependência das importações, especialmente no Sal e na Boavista.

O conjunto das redes de transporte inter-ilhas representam os veios do país, por onde as pessoas e mercadorias devem poder fluir com rapidez e baixo custo, favorecendo a troca contínua de oportunidades sociais, comerciais e industriais, capazes de aumentar as economias de escala das quais somos, por natureza, endógenos, deficientes.

Certamente não somos as Ilhas Canárias, mas sem um serviço de transporte doméstico adequado nunca seremos.

É convicção da Cabo Verde Empresas que o país deve investir no transporte doméstico privado ou público-privado, de baixo custo, fortemente subsidiado pelo Estado e num cenário competitivo, de forma a eliminar o espaço vazio entre as ilhas e catalisar mais investimentos privados em outros setores que não o turismo, fomentando as relações sociais e culturais, favorecendo o turismo nacional e internacional. O peso dos subsídios será compensado por uma maior atividade económica, que se traduzirá em maiores receitas para o Estado, redução do desemprego, maior coesão social, ou seja, pelo progresso do país.

O verdadeiro desafio não é incentivar o turismo internacional, já presente, gerido pelo setor privado e com um extraordinário efeito multiplicador na economia nacional e com constantes investimentos estrangeiros e nacionais: o verdadeiro desafio foi, é e continuará a ser o transporte doméstico.

O atual governo ainda não foi capaz de fornecer uma solução definitiva para se orgulhar. As empresas necessitam de transportes eficientes, competitivos, capazes de entregar mercadorias em 24/48 horas em qualquer ponto do arquipélago, para poderem competir a nível nacional independentemente da ilha em que decidam estabelecer a sua atividade produtiva ou comercial. Só assim podemos começar a criar as bases para que o desenvolvimento industrial e económico do país seja descentralizado do eixo Praia e Mindelo e o desenvolvimento turístico generalizado também fora do eixo Sal e Boavista.

Sem uma rede de transportes inter-ilhas eficaz, o país não conseguirá desenvolver-se de forma homogénea, aumentando cada vez mais as desigualdades entre as ilhas que gozam de um mínimo de economia de escala (Santiago e São Vicente) e as menos populosas, que não conseguem exportar sua produção com prazos e custos competitivos.

Aguardamos por uma nova dinâmica no transporte inter-ilhas, capaz de representar uma vantagem competitiva e um exemplo a nível internacional, prestando serviços eficientes, eficazes e a preços competitivos graças à política de “low-cost”.

 

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