É considerada a última ilha de Cabo Verde quase intacta ao nível da biodiversidade marinha no fundo do mar. “Seria uma pena perder isto”, diz o mergulhador José Candeias. Ainda sem turismo de massas, até quando resistirá São Nicolau?
Fundos coloridos, espécies únicas e uma profusão de vida marítima estão a levar turistas europeus à ilha cabo-verdiana de São Nicolau para fazerem mergulho, apesar das ameaças que pairam sobre os recursos naturais, nomeadamente a pesca.
“Todos os mergulhos que temos feito são uma descoberta. Abrir os olhos lá em baixo e ver toda a aquela imensidão de peixe, aquela biodiversidade em funcionamento é de facto extraordinário”, explicou à Lusa o gestor português José Candeias, de 56 anos, mergulhador há mais de 30 anos.
Já mergulhou em Cabo Verde no Sal, Boa Vista e Santo Antão e em Junho estreou-se num período de 16 dias de férias em São Nicolau, mergulhando duas a três vezes por dia naquela que é considerada a última ilha quase intacta ao nível da biodiversidade marinha no fundo do mar.
“Isto é uma jóia”, afirmou, garantindo que, como os restantes elementos do grupo que procurou o centro de mergulho de São Nicolau, o objectivo é fugir do turismo massificado, que coloca “pressão sobre os habitats”, tendo encontrado em terra, naquela ilha, uma “cultura que está intacta”, tal como no Sal, quando ali se estreou a mergulhar no final dos anos 1980.
“Ainda tive o privilégio de ver um habitat intacto, uma ilha extraordinária, sem a pressão turística, sem a pressão das massas que hoje sofre”, lamentou.
Num cenário de pressão da pesca sobre os recursos naturais junto à costa das ilhas cabo-verdianas, José Candeias desabafa: “Seria uma pena perder isto”.
Em São Nicolau, apesar da experiência de mergulhar em todo o mundo, o português conseguiu fazer o primeiro mergulho num local até agora por explorar, pela primeira vez na “carreira” de mergulhador com certificação internacional: “Deixamo-nos cair na água, encontramos um recife”.
“O mergulho é uma actividade que, primeiro, nos relaxa imenso. Segundo, o contacto com a vida marinha, que é extremamente saudável”, explicou.
José Candeias foi um dos mergulhadores, de vários países, que durante duas semanas esteve no São Nicolau Diving, um centro de mergulho que o português António Garcias abriu há cerca de dois meses naquela ilha. Estreou-se com o primeiro centro de mergulho cabo-verdiano, em São Vicente, em 2019, e mudou-se para Santo Antão cinco anos depois, já devido à pressão da pesca sobre os habitats, partindo este ano para São Nicolau, considerado o último reduto do arquipélago para o mergulho.
É ali que prevê empregar quatro pessoas nos próximos meses, com capacidade instalada para 30 mergulhadores em simultâneo, mas para já a trabalhar com grupos de até 14 pessoas.
“Fundos coloridos, espécies únicas e profusão de vida marítima são os atractivos em Cabo Verde, inclusive com novas espécies encontradas este ano em São Nicolau”, explicou o mergulhador português, que há mais de 20 anos desenvolve a actividade no arquipélago.
Espécies endémicas de peixe, mas também tubarões ou mantas são alguns dos atractivos para os mergulhadores sempre que a equipa de António Garcias sai para o mar, em Tarrafal de São Nicolau.
Trata-se de mergulho recreativo, até ao limite de 40 metros de profundidade, mas habitualmente até 15 a 20 metros, realizado junto a recifes costeiros de São Nicolau, por períodos de 45 a 60 minutos, pelo menos dois por dia.
Os mergulhadores, normalmente experientes, são sobretudo de Portugal, Bélgica, Alemanha e Países Baixos, gerando um importante rendimento para a população, com António Garcias a garantir que contrata todos os serviços de apoio na própria ilha, do alojamento e refeições ao transporte em terrestre e no mar.
“Um dos objectivos é que isto traga também algo para a comunidade (…) Assim a comunidade cresce como um todo”, explicou.
A portuguesa Cátia dos Santos, de 45 anos, passados sobretudo entre a Bélgica e a França, já mergulhou com o marido, francês, em todo o mundo e estreou-se em Cabo Verde na ilha de São Nicolau, com duas semanas de férias e mergulho.
“As ilhas são muito autênticas, conhecer as pessoas, o país. Eu e meu marido gostamos muito de descobrir novos países”, explicou, antes de sair para o mar de São Nicolau.
Mergulhar, acrescentou, é um meio para “conhecer novos países, culturas e pessoas”.
“Cada mar, cada oceano, tem as suas especificidades”, contou, assumindo o gosto especial no contacto com a população de São Nicolau, servida apenas pontualmente por voos domésticos para o aeródromo local e ligações marítimas ao único porto da ilha.
“Seja no mar ou na terra, estou com os olhos abertos”, brincou, ao comentar a experiência de descoberta de Cabo Verde.
Numa ilha ainda virada essencialmente para a pesca e para agricultura, sem qualquer turismo de massas ou hotéis, os pequenos alojamentos voltam-se também para o apoio ao mergulho e turistas que acabam por ficar por períodos longos e com capacidade financeira acima da média.
É o caso de Sara Brito que, em conjunto com o marido, abriu este ano o “Cacimba Sunset Lodge”, paredes meias com o São Nicolau Diving, e que por isso vive praticamente do alojamento aos constantes grupos de mergulhadores que procuram Tarrafal. “O projecto é virado para isso. Temos a escola de mergulho aqui e alojamos as pessoas que vêm cá para mergulhar”, explicou. Para já, um negócio familiar onde tudo acontece longe do turismo de “massas”. “Para as pessoas se sentirem em casa”, rematou.