Vacinação vai condicionar recuperação do turismo cabo-verdiano

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Há que garantir segurança sanitária, diversificar oferta e reforçar transportes para a retoma do turismo. Governo cabo-verdiano está otimista, mas também admite que a recuperação “dependerá de fatores que o país não controla”.

Sol, praia e mar. São estas as características que fazem de Cabo Verde um destino turístico perfeito e que eclipsam a voracidade dos efeitos da pandemia. Mas com os hotéis de portas fechadas, os aeroportos desertos e os cabo-verdianos confinados em casa, o país viu-se obrigado a parar.

Os últimos dados provisórios de 2020, divulgados pelo Banco de Cabo Verde (BCV), evidenciam uma quebra no número de chegadas de turistas em cerca de 70%, comparativamente a 2019. A taxa de desemprego pode ultrapassar os 17%, a movimentação de aeronaves caiu 64% e há registo de uma forte redução das receitas fiscais, o que contribuiu para uma quebra de 10% do PIB. São valores que deixam o Governo e os principais players dos sectores apreensivos depois de, em 2019, o país ter registado bons resultados em termos de crescimento económico, receitas de divisas estrangeiras e défice das contas públicas.

As medidas adotadas para atenuar os efeitos da crise não foram suficientes para mascarar os danos causados no principal acelerador económico do país. O próximo passo envolve uma estratégia de recuperação do turismo que permita a retoma económica de Cabo Verde. O Governo e o BCV mantêm-se otimistas, prespetivando que, no quarto trimestre de 2021, a economia, e o sector do turismo em particular, comecem a dar os primeiros sinais de recuperação.

“A estratégia da retoma do turismo, em nosso entender, deverá passar, obrigatoriamente, pela aposta na segurança sanitária e na vacinação célere da população contra a Covid-19”, afirma o ministro do Turismo e dos Transportes (MTT), Carlos Jorge Duarte Santos, ao Jornal Económico (JE), acrescentando que estes “são dois pilares essenciais para o reforço da credibilidade do destino Cabo Verde nos próximos anos”.

O plano de vacinação apresentado pelo Executivo de Ulisses Correia e Silva prevê que, até ao final de 2021, 20% da população cabo-verdiana esteja vacinada. Um valor que só chegará aos 60% em 2023, consoante a disponibilização das vacinas ao abrigo do programa Covax. E embora o Governo tenha já recebido as primeiras doses das vacinas da Pfizer e da AstraZeneca, para o presidente da Câmara de Turismo de Cabo Verde (CTCV), António Gualberto do Rosário, este é um plano que não corresponde às necessidades nem à urgência da recuperação do país e do sector.

“Para o país ter sucesso neste arranque, as metas têm que ser mais ambiciosas”, reforça Gualberto do Rosário em entrevista ao JE. “O Governo deve encarar a vacinação como um investimento e não como um custo, pois dela vai depender a retoma da economia e de um sector determinante que é o turismo”.

Alertas de especialistas

Alector Monteiro, professor e investigador de Turismo das universidades de Surrey, em Londres, e de Joanesburgo, na África do Sul, considera que um plano de vacinação pouco ambicioso vai afastar os principais mercados emissores de escolherem Cabo Verde como destino turístico, impedir a atração de novos turistas com maior poder de compra, caso da Rússia, países nórdicos, continente americano e até africano, e permitir que países concorrentes ganhem uma nova vantagem sobre o arquipélago.

“As Seychelles, que são um destino concorrente, querem ser o primeiro país do mundo a vacinar 70% da população com mais de 18 anos. Ainda que a sua população seja metade da cabo-verdiana, se não conseguirmos vacinar grande parte da população, principalmente nas ilhas mais turísticas, Cabo Verde não vai conseguir atrair turistas que já estejam vacinados”.

Além da aposta na vacinação massiva da população, a estratégia deve passar também pela diversificação da oferta que vai mais além do sol, praia e mar oferecidas pelas ilhas do Sal e da Boa Vista. Uma meta que já tinha sido equacionada pelo Governo no Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável 2017-2021 e cuja concretização ganhou agora maior premência.

“Há a firme convicção da necessidade de apostar em diferentes subprodutos e segmentos, procurando diversificar e desconcentrar, garantir o compromisso da sustentabilidade económica, social e ambiental no crescimento que se pretende, bem como propiciar o aumento do impacto dos ganhos junto das famílias e empresas, e adotar políticas robustas de competitividade”, defende o MTT. “São quatro vértices de um quadro coerente e harmonioso de desenvolvimento para tornar o produto turístico do arquipélago mais resiliente e com maiores proveitos para o desenvolvimento do país”.

Mas para que essa diversificação da oferta seja concretizada, o que pode passar por um turismo mais voltado para a natureza, para a valorização da cultura e da gastronomia e proximidade com a comunidade residente, o Governo deve dar prioridade ao reforço dos transportes. Neste momento, o país tem quatro aeroportos internacionais na Cidade da Praia (Santiago), São Vicente, Sal e Boa Vista, mas o problema, segundo Alector Monteiro, passa pelo transporte inter-ilhas.

“Uma pessoa que chega a Santiago e queira visitar outras ilhas tem dificuldade em encontrar transportes que façam as ligações. É um problema que dificulta muito o desenvolvimento do turismo das outras ilhas”, explica.

Tendo isto em conta, o Governo deverá dar prioridade a soluções que contemplem o transporte marítimo. “Somos um país arquipelágico e por isso o mar deve ser o principal meio de transporte, pois oferece uma alternativa mais rápida, efetiva, eficiente, segura e regular”, indica o presidente da CTCV.

Certo de que sem uma retoma do sector do turismo, a economia cabo-verdiana não poderá recuperar, o Governo tem pela frente um leque de dificuldades que acrescem ao facto de Cabo Verde ser um dos países mais endividados do mundo, com uma dívida pública de 145% do PIB. Embora se mantenha o otimismo, a preocupação é audível: “Se o Governo não tiver uma estratégia clara de recuperação, vamos ter uma catástrofe económica e social em Cabo Verde”, frisa Gualberto do Rosário.

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